Repetindo erros

Após incêndio, Cinemateca tem futuro incerto com edital lançado pelo governo

Orçamento previsto é irrisório e será administrado por uma entidade privada. Frente Ampla de Defesa da Cinemateca Brasileira protesta no próximo sábado em São Paulo

reprodução/twitter/mesaemcena
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Na verdade, a proposta de a Cinemateca ser gerida por uma OS já está errada. Ela é um bem público que deve ser tratado como tal", destaca Eloá Chouzal

São Paulo – Há problemas no edital de chamamento público para a escolha de uma nova entidade privada, sem fins lucrativos, para gerir a Cinemateca Brasileira que colocam em risco o futuro da instituição. É o que alerta a Frente Ampla em Defesa da Cinemateca Brasileira. O movimento protesta neste sábado (7) pela proteção do espaço que abriga o maior acervo audiovisual da América do Sul. Previsto para às 14h, o ato ocorrerá em frente à sede da instituição, localizada na Vila Clementino, na zona sul da cidade de São Paulo.

A Cinemateca Brasileira ficou sob gestão da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) até dezembro de 2019, quando o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, decidiu romper unilateralmente com o contrato. Desde então, nenhuma outra organização foi contratada pelo governo de Jair Bolsonaro para fazer a gestão do espaço. Oito meses depois, em agosto do ano passado, a Secretaria Especial de Cultural, sob a gestão de Mário Frias, exigiu as chaves da instituição e demitiu todo o corpo técnico que tentava preservar o acervo, mesmo com os salários atrasados. 

Modelo e orçamento inviáveis

Durante esse um ano e meio, os trabalhadores alertavam ao governo federal sobre a iminência de incêndio. Mas a gestão Bolsonaro manteve o local abandonado, sem técnicos especializados e monitoramento. Somente agora, um dia após o fogo que destruiu um galpão da Cinemateca na Vila Leopoldina, na zona oeste, nesta quinta (29), o governo publicou o edital para a escolha de uma organização social (OS) que possa gerir o órgão por cinco anos. A historiadora e integrante da Frente Ampla de Defesa da Cinemateca Brasileira Eloá Chouzal, alerta, porém, que o modelo previsto é prejudicial.

Além disso, de acordo com ela, o orçamento estimado “é irrisório” para a manutenção do órgão. “Conta menos ponto a expertise em preservação do que a ‘expertise’ de ganhar dinheiro. Porque o governo vai dar um orçamento de R$ 13 milhões. Mas essa OS terá de captar mais 40% para complementar o orçamento que o governo dará que é irrisório para a Cinemateca. Na verdade, a proposta de a Cinemateca ser gerida por uma OS já está errada. Ela é um bem público que deve ser tratado como tal. É um medo”, explica à repórter Júlia Pereira, da Rádio Brasil Atual. 

Chamado de crime pela negligência do governo Bolsonaro, o incêndio na semana passada pode ter consumido documentos sobre a política cinematográfica, rolos de cópias de filmes e equipamentos de cinema e fotografia. Ainda não é possível dimensionar o tamanho da perda histórica já que o local permanece fechado. De acordo com levantamento dos ex-trabalhadores da Cinemateca, entre o acervo queimado, estaria também uma parte da biblioteca do Templo Glauber Rocha e cópias da produtora Pandora Filmes. 

Risco continua

Este foi o quinto incêndio que a instituição sofreu desde a sua fundação, em 1940. O último havia acontecido em 2016 e destruiu cerca de 500 obras no galpão localizado na Vila Clementino. Um ex-funcionário da Cinemateca, que não quis se identificar, denuncia o risco de novos acidentes, inclusive na sede, por conta do abandono do Estado. O resultado do edital, por exemplo, só deve sair em outubro. 

“A perplexidade foi total e sabendo que isso poderia acontecer a qualquer momento. Porque a gente vinha batendo, martelando desde agosto do ano passado, quando alguns trabalhadores da Cinemateca se reuniram, e eu estava presente nessa reunião, com o Hélio Ferraz (de Oliveira)”, menciona. Braço direito de Frias, Oliveira foi o representante da Secretaria Especial da Cultura responsável por “pegar as chaves” da instituição. 

Segundo o funcionário, “ele prometeu que trabalharia em um plano emergencial para que o acervo não ficasse desamparado. Passou um ano e nenhum trabalhador da Cinemateca, que lida com missões finalísticas, no trato do acervo e da curadoria dos equipamentos, de todo parque tecnológico, ninguém está lá dentro”, descreveu à Rádio Brasil Atual

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