Colorismo

Fabiana Cozza diz que desunião dá munição a ‘quem quer nos exterminar’

Para a cantora Fabiana Cozza, polêmica que a fez desistir de interpretar Ivone Lara em musical foi “tiro no pé” contra negros e afrodescendentes que lutam pelo respeito da sua cultura

Marina Decourt/Divulgação

“Divergir é parte de toda sociedade que preza a democracia, agora, atacar violentamente é inadmissível”, afirma Fabiana Cozza

São Paulo — Quase um ano depois de desistir de interpretar dona Ivone Lara em um musical sobre a carreira da grande sambista, que morreu um ano atrás, a cantora Fabiana Cozza ainda tira lições do ocorrido. Na ocasião, a cantora e também sambista paulistana se viu no centro de um debate racial tão logo seu nome foi anunciado pela produtora do espetáculo.   

“De repente, de um dia para o outro, eu estava sendo super atacada e desrespeitada num lugar em que sempre estive, sempre batalhei e construí ao longo da minha carreira, que foi a dedicação à música negra brasileira e especialmente o samba”, disse Fabiana Cozza, durante participação no programaHora do Rango, ontem (8), na Rádio Brasil Atual


No centro da polêmica esteve o “colorismo”, conceito surgido nos Estados Unidos na década de 1980 e que defende que quanto mais escuro o tom de pele da pessoa, mais preconceito ela sofre e, de modo contrário, pessoas de cor de pele mais clara têm mais privilégios.

Devido ao fato de Fabiana ter a pela mais clara do que Ivone Lara, sua escolha foi extremamente criticada nas redes sociais e por ativistas da temática racial por “embranquecer” a figura de Ivone Lara.  As críticas não levaram em conta a escolha de Fabiana ter sido aprovada pela família da sambista homenageada e, inclusive, pela própria dona Ivone Lara. 

Fabiana disse que na ocasião, num primeiro momento, achava que as pessoas que a atacavam não a conheciam, eram críticas gratuitas e que visavam a desmerecê-la. “Acho que essas pessoas não têm interesse de saber quem é o outro. Elas elegem um alvo e entram muitas vezes na ‘periferia’ da discussão pra atacar gratuitamente uma pessoa que tem um trabalho que não começou ontem”, pondera a cantora, com 20 anos de carreira dedicada à música.  

A situação a chateou tanto que ela encerrou a página pessoal que mantinha no Facebook. “Nesse tempo em que essa ferramenta se transformou num lugar onde as pessoas se sentem, pra usar uma palavra da moda, ‘empoderadas’ por trás do computador para atacar e eleger alvos, e falar as maiores atrocidades num tom raivoso, de ódio, eu pensei que isso que estava acontecendo comigo, não era exatamente comigo, é um fenômeno da contemporaneidade, é um fenômeno desse tempo de rivalidades, de polarização e onde estou sendo mais uma vítima”, analisa Fabiana. 

Ela segue acreditando que o episódio foi um “tiro no pé” contra os negros e afrodescendentes que há anos lutam pelo respeito da sua cultura. “Quando a gente se divide, fica parecendo que estamos dando munição exatamente para o outro lado, que quer nos exterminar, como acontece nas periferias das cidades do Brasil, onde a juventude negra tem sido exterminada de uma forma nunca vista anteriormente. Divergir é parte de toda sociedade que preza a democracia e a liberdade individual das pessoas, agora, atacar violentamente, ser grosseiro e moralmente violento, isso é inadmissível.”