Começo, meio e fim

Atravessou a rua Ramalhete, pegou um pé de vento e parou na casa de campo

No final da mensagem de agradecimento pelas mensagens de aniversário, em 26 de janeiro, Tavito lembrou de Brumadinho: 'Fez um efeito inesperado na minha alma'

Roberto Soares-Gomes/Divulgação

‘São centenas de anos, compactados pelas alegrias e tristezas, encapsulados nestes 71 visíveis’

São Paulo – Em 26 de janeiro, os amigos se movimentaram para dar os parabéns a Luis Otávio de Melo Carvalho, mineiro de Belo Horizonte que completava 71 anos. Em grupo de amigos na internet, ele respondeu: “Emerjo de minha moita de proporções industriais para agradecer – de todo o coração – as múltiplas mensagens. Como já disse uma vez, é hora de fazer uma recontagem de meu tempo nessa vida através de meios outros que não os do calendário. São centenas de anos, compactados pelas alegrias e tristezas, encapsulados nestes 71 visíveis.”

Exatamente um mês depois, Luis, mais conhecido como Tavito, morreu em consequência de um câncer. Autor de músicas conhecidas do grande público, como Casa no Campo e Rua Ramalhete (com Ney Azambuja), ele integrou, no início da carreira, o grupo Som Imaginário, que atuou na primeira metade dos anos 1970, acompanhou Milton Nascimento e tinha, entre outros parceiros, gente como Zé Rodrix, Naná Vasconcelos, Robertinho Silva e Wagner Tiso. Também deu seus passos musicais pelo Clube da Esquina.

O jornalista e crítico Fabian Chacur lembra que alguns artistas ficam marcados por uma canção e chegam a ser chamados de one hit wonder, maravilha de um sucesso só. “Felizmente, Tavito não se encaixa nessa definição. Muitos o conhecem graças ao grande hit Rua Ramalhete, de 1979, mas este grande cantor, compositor, músico, produtor e arranjador mineiro nos proporcionou muito mais durante seus aproximadamente 50 anos de trajetória musical. (…) Tavito era um craque no quesito arranjos vocais, e seu nome aparece nos créditos dos discos de grandes nomes da música brasileira, entre eles o seminal Nos Dias de Hoje (1978), de Ivan Lins.”

A carreira solo começou em 1979, com álbum que leva o seu nome. A obra inclui, além da clássica Rua Ramalhete, pelo menos mais uma obra-prima, Começo, Meio e Fim, além de sua versão de Casa no Campo, composta em parceria com Zé Rodrix e gravada por Elis Regina em 1972. Posteriormente, Tavito passou a se dedicar à composição de jingles. Seu último disco solo, A casa no começo da rua, é de 2016.

No último dia 17, ele deveria participar de show de lançamento do CD Nós do Rock Rural, no Sesc Pinheiros, mas o estado de saúde não permitiu. Ele foi substituído por Fábio Santini. Rock rural foi um estilo musical surgido nos anos 1970, que tinha entre seus destaque Zé Geraldo, Zé Rodrix (que morreu em 2009), Sá e Guarabyra.

No final da mensagem de agradecimento pelas felicitações de aniversário, Tavito faz referência à tragédia de Brumadinho (MG), que segundo ele “fez um efeito inesperado na minha alma, certamente por tratar-se de minha terra, minha porção mais conhecida e inevitável”. E conclui: “No meu entender, tempo de muita reflexão e ação – pelo revoltante suceder de tragédias e massacres irresponsáveis neste país em frangalhos”. 

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