Neste sábado

Livro que analisa a estrutura da repressão tem novo lançamento

Escrito por presos políticos em pleno cárcere, 'A Repressão Militar-policial no Brasil – O livro chamado João' se consolida como importante obra de resistência à ditadura

MST

Escrito a muitas mãos, livro ficou durante décadas esquecido e agora se consolida como importante documento

São Paulo – Depois de quatro décadas na clandestinidade, o livro A Repressão Militar-policial no Brasil – O livro chamado João, lançado com sucesso em novembro do ano passado, será novamente objeto de interesse, desta vez no Sábado Resistente, projeto realizado pelo Memorial da Resistência em parceria com o Núcleo de Preservação da Memória Política. O evento será realizado neste sábado (8), às 14h, no próprio Memorial, onde funcionava o antigo Deops, no Largo General Osório, região central de São Paulo.

Escrito clandestinamente por presos políticos entre 1972 e 1975, na Casa de Detenção de São Paulo – onde hoje está localizado o Parque da Juventude –, a obra é considerada uma importante ação de resistência à ditadura civil-militar (1964-1985).

O jornalista Celso Horta, ex-preso político, membro da Ação Libertadora Nacional (ALN) e um dos autores do livro, explica que “João” foi o apelido dado ao livro durante sua elaboração na prisão, como forma de evitar que os escritos fosses apreendidos. “Falávamos dele como se fosse uma pessoa”, disse Celso Horta, em entrevista à rádio CBN. 

“Nós tínhamos acesso a cadernos. Nós construíamos esconderijos para guardar o que produzíamos, dentro de capas de livros de couro, e construímos muitos lugares para esconder, eram chamados de mocó”, lembra Horta.

O ex-preso político recorda que o livro foi feito “por pedaços”, com duplas de presos se dividindo para coletar informações e fazer pesquisa em livros a que tinham acesso. “Depois foi tudo emendado e se deu um conteúdo unificado. Isso foi feito na época mesmo, foi mandado ao exterior, impresso em Paris, como um formato de livro, e ficou esses anos por aí. Ninguém mais elaborou nada.”

Autoritarismo

Segundo o jornalista, o livro elabora a tese de que se vivia um Estado de exceção, um Estado policial-militar que assumia a prática da tortura e criava uma doutrina de segurança nacional. Algo que, na opinião do autor, segue valendo. “Esse pensamento de violência e Estado autoritário continua existindo no Brasil, sustenta vários grupos que ainda pedem a volta do regime militar, como se o preço pago pela nação por ter vivido a ditadura não fosse uma lição para nunca mais se pensar nisso.”

“Nós, presos, considerávamos uma obrigação nossa continuar pensando sobre o Brasil e elaborar o que fosse possível, até porque nossos companheiros continuavam militando, combatendo e morrendo na rua”, prossegue Horta. “A cadeia para nós não era lugar para se acomodar, a gente fazia o que podia, reuníamos informações. Além de escrever um documento como esse, nós produzimos ao longo do tempo um volume grande de denúncias sobre torturas. Então, a gente assumiu essa responsabilidade.”

O jornalista e escritor Bernardo Kucinski, autor do prefácio, pondera que a obra tem uma característica impessoal, cujo objetivo principal é a própria estrutura da repressão, ao contrário dos inúmeros relatos em primeira pessoa que narram a luta contra o regime ou as agruras da prisão e da tortura.     

“O método do desaparecimento sempre teve como motivo principal a ocultação do crime através da supressão do corpo, ou seja, a impunidade, que por sua vez é condição para que a repressão se sinta à vontade, de mãos livres, para continuar reprimindo sem limitações legais. É a mesma impunidade dada pelo sistema aos mandantes da chacina do Carandiru e aos torturadores dos anos 1960 e 1970. Na época das grandes ditaduras do Cone Sul, o método também serviu para infundir terror às populações, como se uma força sobrenatural estivesse sequestrando as pessoas e as fazendo desaparecer.”