'patrimônio'

No Senado, PEC 50 tramita para garantir vaquejadas

Objetivo é escapar de decisão recente do STF, que declarou inconstitucional a popular prática. Para uns, vaquejada é cultura, para outros, é crueldade

Turismobahia/Creative Commons

PEC 50/2016 quer transformar a vaquejada em prática desportiva e patrimônio cultural imaterial do Brasil

São Paulo – Mesmo dia em que o presidente Michel Temer sancionou a Lei nº 13.634/2016, que declara a vaquejada “patrimônio cultural imaterial” do Brasil, o Senado aprovou na quarta-feira (30) o calendário especial de tramitação para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 50/2016, que transforma a vaquejada em prática desportiva reconhecida como patrimônio cultural imaterial brasileiro.

Embora pareça, a coincidência não é contraditória. No dia 6 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a Lei 15.299/2013 do estado do Ceará que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural. Na ocasião, por decisão apertada de seis votos a cinco, os ministros da Suprema Corte consideraram haver “crueldade intrínseca” na prática.

Relator da ação, o ministro do STF, Marco Aurélio Mello, considerou que a expressão “crueldade” constante no inciso VII do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal alcança a tortura e os maus-tratos infringidos aos bois durante a prática da vaquejada. Para o ministro, “a tortura e os maus-tratos infringidos aos bovinos durante a prática impugnada, revelando-se intolerável, a mais não poder, a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada”.

Muito popular nos estados do Nordeste, a vaquejada consiste na disputa entre dois vaqueiros, montados em cavalos distintos, que tentam derrubar um boi puxando-o pelo rabo dentro de uma área demarcada. Ganha quem derrubar primeiro.

A intenção em alterar a Constituição mesmo após a aprovação e sanção da Lei Nº 13.634/2016 deve-se ao temor dos parlamentares apoiadores do projeto de que a constitucionalidade da lei venha a ser novamente contestada no STF. Assim, para não correr esse risco, altera-se a Constituição.

Proposta pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), a ementa da PEC 50 foi redigida sob medida para descaracterizar a crueldade apontada na decisão do STF. Explica a ementa: “Altera a Constituição Federal para estabelecer que não se consideram cruéis as manifestações culturais definidas na Constituição e registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, desde que regulamentadas em lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.

Especialistas divergem

Na audiência pública realizada pelo Senado na última terça-feira (29), os dois veterinários convidados divergiram sobre a ocorrência de maus-tratos aos animais nas vaquejadas.

Para a veterinária Vania Plaza Nunes, diretora do Fórum Nacional de Defesa e Proteção Animal, não existe a prática da vaquejada sem sofrimento do boi, isto porque o animal é puxado pela cauda, que é uma continuação da sua coluna vertebral. Segundo a veterinária, esse puxão aliado às quedas pode causar luxações, fraturas e derrames sanguíneos que não são visíveis no momento da prática, mas aparecem depois. Ela afirmou ainda que é comum o rompimento de vísceras e caudas arrancadas.

Em posição contrária, o veterinário Hélio Cordeiro filho, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, disse que exames de sangue feitos após as vaquejadas, com taxas de cortisol, glicose e lactato, não mostram alterações que indiquem lesões musculares ou estresse nos cavalos. Nos bois, porém, embora tenha reconhecido não haver dados, argumentou que o fato de os animais se alimentarem após a prática é um indicativo de que estão bem e sem ferimentos.

“Que legitimidade nós temos, como legisladores, para dizer que não há crueldade, se nós não temos opinião unânime nem do setor científico, que dá base para os veterinários, sobre o que é ou não crueldade?”, questionou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), autora do pedido da audiência pública.

Entre os defensores da vaquejada, além do argumento da “manifestação cultural”, há um forte discurso econômico de que a prática gera empregos e movimenta cerca de R$ 14 milhões por ano nos eventos em que é realizada.

Além dos veterinários, há discordância inclusive entre parlamentares do mesmo partido. “Não acho que a questão principal, apesar de ser fundamental para o Nordeste, é meramente a questão econômica. Se houvesse, de fato, a comprovação de que há maus- tratos, se justificaria, mas não é o caso”, explicou o senador Humberto Costa (PT-PE).

“Eu entendo que é uma questão de economia e que isso tem impacto, mas não é possível que em nome de uma questão econômica vamos continuar a crueldade contra os animais”, ponderou Gleisi.

Com informações da Agência e Rádio Senado

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