Estreia

Furtado, a bolinha de papel e outros negócios do jornalismo brasileiro

'O Mercado de Notícias', baseado em um texto de 1625, mistura peça teatral e depoimentos de 13 jornalistas, que discutem a qualidade do que é produzido na mídia brasileira

Foto: Fábio Rebelo/Divulgação

O filme de Furtado é uma defesa da atividade jornalística, do bom jornalismo, sem o qual não há democracia

Em 1625, o dramaturgo inglês Ben Jonson escreveu a peça The Staple of News, sobre uma atividade que começava a nascer: o jornalismo impresso. O texto jamais havia sido traduzido para o português, até que o cineasta gaúcho Jorge Furtado o descobriu e decidiu, mais que traduzir, levá-lo aos palcos e cinemas. Diretor de Ilha das Flores, O Homem que Copiava, Meu Tio Matou um Cara e de Saneamento Básico, Furtado lança nesta quinta-feira (7) o documentárioO Mercado de Notícias, baseado na peça inglesa para discutir a qualidade do jornalismo praticado no Brasil.

Furtado chamou um time de 13 profissionais da imprensa que admira para dividir com o espectador reflexões sobre a profissão, as mudanças na maneira de consumir e produzir notícias, o futuro do jornalismo e casos esdrúxulos da cobertura política brasileira. O cineasta faz, por exemplo, uma reconstituição inédita do episódio da bolinha de papel jogada em Serra, na campanha de 2010. O filme faz um estudo do fato a partir do olhar de cinco câmeras de TV, que captaram a cena de diferentes ângulos e permite que se chegue a 99% de certeza sobre a origem do arremesso que levou o então candidato a uma teatral tomografia. E observa que nenhum veículo de comunicação foi atrás de investigar o 1% de probabilidade que faltou para responsabilizar um integrante da equipe de segurança do próprio candidato como autor do “atentado”.

“Os grandes veículos passaram a agir como partidos de oposição. Neste momento, com a imprensa fragilizada pela concorrência da internet, e nessa nova posição partidarizada, tarefas fundamentais do jornalismo passaram a ser descumpridas. E fiquei com mais vontade ainda de fazer um documentário sobre o assunto. Fui pesquisar a história do jornalismo e num livro do Peter Burke e do Asa Briggs, Uma História Social da Mídia, encontrei menção a uma peça do dramaturgo inglês Ben Jonson chamada O Mercado de Notícias, de 1625. (…) Li e vi uma incrível atualidade no texto do Jonson”, afirmou o diretor em entrevista exclusiva à próxima edição da Revista do Brasil.

Depoimentos de Mino Carta, Raimundo Pereira, Bob Fernandes, Luis Nassif, Renata Lo Prete, Leandro Fortes, Janio de Freitas, entre outros profissionais, são intercalados com trechos da peça de Ben Jonson. A maneira como Furtado “costura” teatro e entrevistas evidencia como o texto inglês, de 1625, se mantém extremamente atual no Brasil. O filme trata, de maneira quase didática, das relações dos jornalistas com as fontes de informação, o promíscuo relacionamento entre as redações e os departamentos comerciais dos veículos de comunicação, a responsabilidade dos repórteres e editores e põe em pauta a ética.

“Os jornais repercutem o que interessa a eles, quer dizer, a verdade factual eles não repercutem se não serve ao raciocínio deles. Não é assim na Inglaterra. Não é assim na Itália. Não é assim na França”, declara o diretor de redação da CartaCapital, Mino Carta. O jornalista Leandro Fortes concorda: “A imprensa brasileira se aparelhou no últimos anos como uma atividade partidária de oposição, nitidamente e sem máscaras. Então, para se aparelhar como oposição partidária, necessariamente esses veículos tiveram que deixar de exercer o jornalismo”, afirma.

“Acredito que um documentário, para ser durável, deve ser mais que uma notícia, tem que ser útil, no sentido de iluminar um tema, uma atividade, uma época. Deve servir de elemento deflagrador de debates, instigar novas pesquisas, despertar nos espectadores aquilo que o Umberto Eco chama de ‘espírito de decifração’. O Mercado de Notícias debate critérios jornalísticos, e este é o seu sentido e o sentido da peça de Jonson. É também uma defesa da atividade jornalística, do bom jornalismo, sem o qual não há democracia”, resume Furtado.

Saiba mais sobre o longa-metragem e confira a entrevista com o cineasta Jorge Furtado na edição 98 da Revista do Brasil. A página de O Mercado de Notíciasna internet é uma obra à parte. Contém o texto da peça, original e traduzido, a íntegra dos depoimentos dos 13 jornalistas envolvidos, casos emblemáticos da má qualidade da produção jornalística no país, além de texto escolhidos pelo autor para propor reflexões sobre o tema. Um filme para estudantes, profissionais e consumidores de informação.

O Mercado de Notícias
Roteiro e direção: Jorge Furtado
Produção executiva: Nora Goulart
Montagem: Giba Assis Brasil
Direção de fotografia: Alex Sernambi e Jacob Solitrenick
Direção de arte: Fiapo Barth
Figurinos: Rosângela Cortinhas
Depoimentos: Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Geneton Moraes Neto, Janio de Freitas, José Roberto de Toledo, Leandro Fortes, Luis Nassif, Mauricio Dias, Mino Carta, Paulo Moreira Leite, Raimundo Pereira e Renata Lo Prete
Elenco da peça: Antônio Carlos Falcão, Eduardo Cardoso, Elisa Volpatto, Evandro Soldatelli, Irene Brietzke, Ismael Caneppele, Janaina Kremer, Marcos Contreras, Mirna Spritzer, Nelson Diniz, Sérgio Lulkin, Thiago Prade, Ursula Collischonn, Zé Adão Barbosa
Duração: 94 min.
Ano: 2014
País: Brasil