Estreia quinta, 15

‘Praia do Futuro’, de Karim Aïnouz, celebra o amor além dos estereótipos

No filme, Wagner Moura interpreta salva-vidas que se apaixona por um alemão e abandona tudo para viver o romance. Longa-metragem extrapola temática gay

Divulgação

Filme conta a história de Donato, que abandona a família para viver um grande amor com o alemão Konrad

Não se trata de um blockbuster e, provavelmente, Praia do Futuro não seja recordista de público, como foram os filmes Tropa de Elite 1 e 2, nos quais Wagner Moura também atuou. O longa-metragem de Karim Aïnouz que estreia amanhã tem temática gay, mas extrapola – e muito – o assunto. É um filme sobre amor, raiva, cumplicidade, deslocamentos, não-pertencimento e perdas, características também muito presentes nos outros filmes de Aïnouz, como Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te amo (2010), O Céu de Suely (2006) e Madame Satã (2002).

Apesar de ter uma filmografia bem rica, Praia do Futuro parece ser a obra mais madura do diretor. Mas não é um filme fácil. Nele, o silêncio – sempre presente – diz muito sobre a história de Donato, um salva-vidas que trabalha na praia que empresta o nome ao filme, em Fortaleza.

O mar é sua segunda casa, onde se sente seguro e livre. É também na água que ele conhece Konrad (Clemens Schick, de 007 – Cassino Royale), alemão piloto de motocross a quem resgata de um afogamento. Abalado por não ter conseguido salvar Heiko, amigo de Konrad, Donato vai pessoalmente ao hospital dar a notícia ao sobrevivente. Os dois se aproximam e surge uma enorme atração física que, aos poucos, vira paixão.

Quando chega o momento de Konrad voltar para a Alemanha, o salva-vidas decide deixar tudo para trás para entrar de cabeça neste grande amor. Ficam em Fortaleza a mãe e o irmão pequeno, Ayrton (Jesuita Barbosa), para quem Donato é um herói, seu Aquaman.

Da imensidão do mar para os limites de um aquário; de um cenário vivo e ensolarado, Donato passa a viver na cinzenta e fria Berlim, onde experimenta a liberdade de ser quem ele realmente é. “Aqui nesta cidade sub-aquática, tudo para mim faz mais sentido. Eu não preciso me esconder no mar para me sentir em paz, nem preciso mergulhar para me sentir livre”, diz.

Oito anos mais tarde, Ayrton desembarca em Berlim para saber se o irmão está vivo ou morto. Cheio de raiva e ressentimento por ter sido abandonado, a cena em que eles se reencontram é de uma dramaticidade dilacerante. Ela é uma mistura de fúria, amor, incompreensão. Tudo o que o jovem quer é saber por que Donato foi embora sem dizer uma palavra sequer.

Assim como a cena do reencontro, os personagens de Praia do Futuro são intensos. E cheios de masculinidade. Donato e Konrad passam bem longe do tão raso estereótipo de gays. São fortes, másculos, bonitos e aventureiros, sem esconder a fragilidade que, de uma maneira ou outra, todos nós temos. “Quando pensamos em masculinidade, pensamos em coragem e heroísmo. Queria que meus personagens fossem fortes e frágeis ao mesmo tempo. Queria falar de coragem e medo. Queria fazer um melodrama em que os personagens fossem marcados pelo movimento, que fossem impulsionados pelo desejo e somente pelo desejo – afinal de contas, o que mais importa?”, descreve Karim Aïnouz.

O que o salva-vidas faz é acertar as contas com seu irmão ao mostrar a importância de ter feito a travessia. Afinal, ele se foi porque tinha medo: medo de assumir o que era, de contar para a família sobre sua sexualidade e teve medo também de dizer que não voltava. Por isso, foi sumindo.

O filme é dividido em três partes, que são permeadas por lacunas que dizem muito sobre os personagens. A primeira é na escaldante cidade cearense; a segunda, na invernal Berlim, onde Donato se sente estrangeiro; e a última, em que ele tem de afrontar seu passado em um momento que já se sente em casa, em todos os sentidos. O trabalho primoroso de Ali Olcay Gözkaya na direção de fotografia faz com que as texturas, cores e contrastes do filme mudem junto com a evolução da trama.

O resultado de direção, fotografia e atuações primorosas é quase transcendental. Wagner Moura e Clemens Schick se despem em cena, se entregam à paixão e seus corpos nus são envolvidos pelo desejo. No final, pouco importa se a relação é entre dois homens ou entre irmãos. E tudo é tão natural e bonito que o filme, apesar de ter protagonistas homoafetivos, não se encaixa na classificação de “filme gay”. Ele é simplesmente um filme de amor que contribui, sim, na luta contra o preconceito. Talvez por isso, sua classificação seja de 14 anos.

Assista ao trailer de Praia do Futuro:

Ficha técnica
Direção:
Karim Aïnouz
Produtores: Geórgia Costa Araújo e Hank Levine
Coprodutores: Fabian Gasmia e Henning Kamm
Roteiro: Karim Aïnouz e Felipe Bragança
Diretor de fotografia: Ali Olcay Gözkaya
Diretor de arte: Marcos Pedroso
Figurino: Camila Soares
Maquiagem: Milena Pfleiderer
Montagem: Isabela Monteiro de Castro
Edição de som: Waldir Xavier
Mixagem: Matthias Schwab
Música: Hauschka
Preparação de elenco: Fátima Toledo
Produtora: Coração da Selva

Elenco
Donato:
Wagner Moura
Konrad: Clemens Schick
Ayton 18 anos: Jesuita Barbosa
Ayrton 10 anos: Savio Ygor Ramos
Dakota: Sophie Charlotte Conrad