Documentário desconstrói Rita Cadillac

A lady do povo, como sugere o subtítulo do longa de Toni Ventura, traz uma biografia da ex-chacrete que seguiu carreira como dançarina em shows em garimpos da Serra Pelada e até na penitenciária do Carandiru

Projetada pelo “Cassino do Chacrinha”, Rita Cadillac não hesita em reconhecer que ganha a vida em função do próprio corpo (Foto: Divulgação)

São Paulo – O documentário “Rita Cadillac – A Lady do Povo”, de Toni Ventura, conta a história da ex-chacrete que seguiu carreira com shows pelo país. O longa traz revelações sobre a infância e o início da trajetória da personagem central, no programa do Chacrinha. O filme estreia nesta sexta-feira (9) em Belo Horizonte e outras praças. Em São Paulo e Rio de Janeiro, a chegada às salas de cinema foi adiada para a próxima sexta (16).

O lançamento ocorre menos de um ano depois de “Alô, alô Teresinha!”, que conta a história de José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha. No documentário de Nelson Hoineff, Rita Cadillac aparece como a chacrete que mais deu certo, porque foi das únicas a seguir carreira no universo das celebridades.

A produção de “A lady do povo” captou o material em 2007. Foram três meses de filmagens, com entrevistas quase diárias, que resultaram em 30 horas de material. O resultado foi condensado em 75 minutos para esta versão ao cinema. Antes, uma edição preliminar foi produzida para o SBT. A proximidade alcançada entre diretor e personagem garantiu que algumas histórias fossem reveladas e mostrassem aspectos desconhecidos.

Em debate após uma sessão de pré-estreia, Toni Ventura e Rita se cumprimentaram com um selinho nos lábios e elogiaram-se mutuamente durante todo o evento, realizado na sede regional do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. Mostram ainda afinidade na visão sobre o documentário.

Ventura relata que teve a ideia do filme a partir da exposição que o presídio do Carandiru teve com o filme de Hector Babenco e o livro do médico Dráuzio Varela. “Construímos uma relação em que ela me recebia de coração aberto, diante de um pacto de que ela me contaria tudo, sem esconder nada”, relata.

Órfã de pai e criada pela avó paterna, Rita de Cássia viveu em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (RJ), onde estudou em colégio de freiras. Após perder a avó, viu-se sem alternativa e, antes de conseguir uma vaga entre as dançarinas do “Cassino de Chacrinha”, revela que chegou a se prostituir.

O filme deixa claro que a personagem se fez por seu corpo. Ou melhor, por uma parte peculiar: a bunda. Mas tenta apresentar também o lado humano de Rita de Cássia Coutinho, moradora da zona norte de São Paulo, dona de dois cachorros pretos, a quem chama de “crianças” e com quem passeia pelo bairro.

O documentário traz ainda detalhes sobre seu filho, relatos do primeiro namorado e de diretores e empresários que trabalharam com ela. Há ainda o médico Dráuzio Varela. Depois do fim do programa do Chacrinha, Rita Cadillac passou a promover shows pelo país, cantando algumas poucas músicas e dançando, exacerbando o lado sensual da performance.

Há cenas de arquivo impressionantes da ex-chacrete se apresentando em um acampamento de garimpeiros de Serra Pelada, no município de Curionópolis (PA), registrados em um dos documentários da série “About Us”, da rede britânica BBC, datado de 1983. Outra sequência tem Rita dançando no Carandiru.

Entre histórias curiosas – e assustadoras – Rita é apresentada como uma pessoa corajosa por se apresentar de forma insinuante diante de milhares de homens. Mas também como uma mulher, que não é “Cadillac” durante todo o tempo.

Apesar disso, ela deixa claro que sabe que ganha a vida com o corpo e que, aos 53 anos, é provável que sua trajetória de shows explorando seus dotes físicos pode estar no fim.

Foi por vislumbrar esse desfecho que ela afirma ter feito, em 2006, uma incursão no cinema pornô. O filme “A primeira vez de Rita Cadillac!” é descrito como uma opção que ela não repetiria. A escolha teria sido totalmente relacionada ao cachê pago, que serviu, segundo ela, para a compra de um apartamento próprio.

Surpresas

No período de filmagens, ela casou-se com Luis Nóbrega. O detalhe é que a cerimônia foi surpresa até para o marido, de quem se separou, pouco mais de dois anos depois. Há ainda a sequência em que Rita viaja a Vila Velha (ES) para encontrar uma meia-irmã, por parte de mãe, até então desconhecida.

Ventura segue esses fatos com a câmera a postos e parece, em alguns momentos, passar quase despercebido de parte dos protagonistas da cena. Em um documentário, isso cria cenas impressionantes. “Durante as filmagens, ela avisava sobre o que ia acontecer, é uma realidade muito dinâmica”, garante o diretor.

A opção por uma equipe de produção resumida, em boa parte das filmagens, ao próprio diretor e sua câmera, tem outro resultado peculiar. Vaidosa, Rita aparece em praticamente todas as cenas usando brincos – modelos grandes e cheios de penduricalhos. Cada movimento do rosto ou até rajada de vento são captadas pelo microfone.

Confira o trailer