Exclusão social e laços afetivos explicam presença de populações em áreas de risco

Déficit de habitação popular está entre as principais causas da formação de núcleos de moradia em locais de risco potencial de deslizamentos e inundações

Pesquisa da urbanista e professora universitária Rafaela Vieira identificou que cidadãos mudam ou se mantêm em áreas de risco por falta de condições econômicas e por buscar laços afetivos.

A especialista estudou a região da sub-bacia do Ribeirão Araranguá em Blumenau (SC),  município a 130 km da capital, Florianópolis, mas a realidade se repete em muitas cidades. “Estudos sobre áreas de exclusão e segregação social em capitais brasileiras apontam características semelhantes: ocupação inicial em áreas periféricas ou de difícil acesso e menor valor comercial; anexação posterior ao tecido urbano; presença de restrições ambientais, geralmente morros e áreas inundáveis; proximidade ao emprego; e baixa interferência do Estado em seu processo de ocupação”, descreve Rafaela.

Redes de contágio

Para a pesquisadora, a redução das áreas de risco depende principalmente da redução das diferenças sociais. “Tratar de preservação de meio ambiente e redução de risco com aqueles que não têm o que comer ou como satisfazer suas necessidades básicas parece algo bastante difícil”, afirma.

A pesquisadora propõe a criação de “redes de contágio sobre risco”, com a divulgação de informações sobre as causas e conseqüências e ações para prevenção.

“Envolvendo comunidade, governo, universidade e imprensa, serviria de importante instrumento para redução das conseqüências sociais dos desastres”, sustenta.

O papel das redes de contágio é estabelecer práticas pedagógicas para fiscalização dos trabalhos dos órgãos públicos, organização de mutirões para autoconstrução e realização de ações para aumentar o índice de credibilidade entre comunidade e técnicos, propõe a urbanista.

Morar em área de risco de deslizamentos, como morros e encostas, não é exatamente uma opção, explica a especialista. “Eles não estão lá porque querem, mas em função da questão financeira. Foi onde foi possível se instalar”, dispara.

A habitação é uma das maiores demandas ligadas à melhoria da qualidade de vida, mas, alerta a especialista, o “Estado não produz habitação social suficiente. Os moradores [de áreas de risco] dizem não sair de onde moram, pois é tudo o que possuem”, lembra.

Depois da pressão econômica, Rafaela detectou que os laços familiares levam as pessoas a não deixarem as áreas consideradas de risco. “Depois que alguém vai morar naquele local, logo um parente vai morar lá também”, aponta.

“Aqui em Blumenau, tem muito disso: aquele morro é do pessoal do Paraná. Aquele é do pessoal do Rio Grande do Sul”, explica.

Outro passo para manter laços, no caso de Blumenau, é a tendência dos moradores de deixarem a nova residência com características do local de origem – o que pode levar a criar novos fatores de risco. A pesquisadora cita como exemplo a tentativa de deixar o local plano, cortando os morros e realizando aterramentos que, em geral, aumentam a probabilidade de deslizamentos.

“A naturalidade da maioria dos moradores da área estudada indica que eles possuem experiência com cidades onde predomina o relevo plano, sem riscos de deslizamentos. (…) Desta forma, pode-se entender porque o ‘chão plano’, como se referem os moradores, são tão valorizados culturalmente, gerando freqüentes execuções de cortes e aterros nas encostas (dos morros de Blumenau), potencializando os deslizamentos”, detalha Rafaela.