Política de UPPs ainda busca aprovação majoritária entre população

Especialistas, no entanto, afirmam que o mais importante é a redução nos índices da violência obtida com a 'pacificação' de favelas cariocas

Presença das UPPs divide opiniões e desperta polêmcias em algumas comunidades pacificadas no Rio (© Daniel Marenco/Folhapress)

Rio de Janeiro – O governo do Rio de Janeiro assume o desafio de “pacificar” o Complexo da Maré, um dos maiores e mais populosos conjuntos de favelas da capital, em um momento delicado para a política estadual de segurança pública. Desde o final do ano passado, uma série de incidentes em comunidades já ocupadas pela polícia, todos eles ligados à persistente presença de traficantes, faz crescer entre os cariocas à insegurança sobre a eficácia da política de UPPs. Os conflitos se sucedem nas zonas Norte e Sul da cidade.

Na madrugada de quinta-feira (28), um intenso tiroteio acordou os moradores das favelas vizinhas da Babilônia e do Chapéu Mangueira, às margens da badalada praia do Leme. Os tiros teriam partido de traficantes rivais em confronto, coisa corriqueira em um passado não muito distante, mas que não havia mais ocorrido nos três anos desde que foi instalada uma UPP na região. No mesmo dia, traficantes do Morro do São Carlos entraram em confronto aberto com a PM em plena rua, no bairro do Rio Comprido. Um traficante foi baleado e preso.

Diversos outros incidentes já ocorreram nestes dois primeiros meses de 2013 em favelas beneficiadas com UPPs, como Manguinhos, Fallet-Fogueteiro e Vila Cruzeiro (Complexo do Alemão). Nesta última, houve intensa troca de tiros entre policiais militares e traficantes na noite de sexta-feira (22), e um policial foi baleado. Em Manguinhos, moradores armados com paus e pedras enfrentaram policiais, repetindo um fenômeno também ocorrido nas comunidades do Fallet-Fogueteiro, que até pouco tempo eram apontadas como o maior entreposto de cocaína com alto teor de pureza da cidade e ainda contaria com forte presença de traficantes.

É o mesmo caso do Complexo do Alemão, onde os postos das UPPs convivem com traficantes armados com fuzis em alguns pontos das favelas. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Rio, trata-se de uma região com “tráfico muito enraizado”, o que demanda maiores esforço e paciência para a conclusão do processo de pacificação.

Em entrevista ao jornal O Globo, um policial, que não foi identificado, apresenta outra visão do problema: “Como é possível um programa de retomada de território sem a participação da Polícia Civil, que faz as investigações, e da Polícia Federal? É preciso que a UPP deixe de ser apenas uma ação da Polícia Militar”, disse.

Mangueira

Os casos se sucedem desde dezembro do ano passado, quando traficantes mataram na Rocinha um policial que fazia ronda a pé. Recentemente, o conflito que chamou mais atenção foi o da favela da Mangueira, onde uma UPP foi instalada há um ano. Entre os dias 17 e 20 de fevereiro, quatro pessoas foram assassinadas, entre elas o traficante Acir Ronaldo Monteiro da Silva, conhecido como 2K, morto a tiros em frente ao prédio onde morava, no bairro do Recreio, distante da favela.

Após a morte de 2K, bandidos fortemente armados invadiram um container da UPP localizado na comunidade do Tuiuti e roubaram a arma de um dos policias para, com ela, assassinarem outras três pessoas na Mangueira. Além disso, por ordem dos traficantes, o comércio nas proximidades do morro ficou quase totalmente fechado por três dias, em luto forçado pela morte de 2K. O episódio, que reviveu uma prática comum no Rio de alguns anos atrás, está sendo considerado pelo governo estadual como o maior desafio aberto já feito pelos traficantes cariocas à atual política de segurança pública do estado.

O fato de duas pessoas mortas – um segurança da quadra e um integrante da bateria – serem diretamente ligadas à escola de samba, que vive em crise política e terá conturbadas eleições em abril, faz com que a polícia trabalhe também com a possibilidade de os crimes terem ocorrido devido a essa disputa eleitoral interna na Mangueira. Em depoimento à polícia, o atual presidente da escola, Ivo Meirelles, negou qualquer relação entre os assassinatos e as eleições.

Crise?

Especialistas em segurança pública reconhecem o momento de vulnerabilidade do processo de instalação de UPPs em todo o estado, mas ressaltam a importância de se aprofundar uma política que vem contribuindo concretamente para a redução da violência. O sociólogo Ignacio Cano afirma que “há vários elementos” que precisam ser analisados sobre o atual estágio das UPPs: “Quanto maior o número de comunidades que você domina, maior é a chance de haja problemas em um ponto ou outro. Seria ilusório pensar que os problemas vão desaparecer para sempre. O importante é que os níveis de violência continuam diminuindo em geral”, diz.

Cano, que atua no Laboratório de Estudos da Violência da Uerj, diz que os problemas são parte do processo: “É possível que haja um certo desgaste em determinadas comunidades, pois os contingentes policiais já estão em alguns lugares há um tempo muito grande. O importante, em todo caso, não é um problema pontual aqui ou lá, mas sim que os índices em geral do processo continuam evoluindo de forma positiva”.

Para o coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, Michel Misse, uma situação tida como ideal dificilmente ocorrerá na prática: “O grande mérito da política de pacificação foi recuperar e manter sob o controle do estado territórios antes dominados pelos tráficos’, diz.

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