Moradores resistem à privatização de áreas públicas em São Paulo

Em toda a cidade pelo menos 19 imóveis podem ser vendidos. Proposta de Gilberto Kassab de trocar áreas por creches não tem amparo jurídico, afirma promotor

São Paulo – Moradores de várias regiões da cidade de São Paulo reclamam que a prefeitura não constrói equipamentos públicos alegando falta de espaços, mas reserva terrenos para serem negociados com a iniciativa privada. Segundo o Ministério Público Estadual, desde 2003 foram aprovadas ao menos 11 leis que autorizam a desincorporação de 19 terrenos do patrimônio público municipal.

No ano passado, a administração de Gilberto Kassab (PSD) chegou a apresentar a proposta de trocar um terreno no Itaim Bibi, que já abrigava nove equipamentos públicos, por 200 creches. Elas seriam construídas em locais determinados pelo poder público. Mas os moradores do bairro, que apelidaram a área de Quarteirão Cultural, conseguiram barrar a troca.

A tentativa de zerar o déficit de creches também justificaria a troca dos demais terrenos. Agora, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho afirma não acreditar que haja tempo hábil para implantar o projeto até o final da gestão do prefeito Gilberto Kassab, que não pode disputar a eleição esse ano.

Ainda assim, moradores de bairros que seriam afetados pela iniciativa da prefeitura continuam mobilizados para impedir a perda de áreas públicas. “Nós entendemos que em uma cidade onde há um esgotamento de território, trocar terrenos com o setor privado para que eles construam mais empreendimentos é jogar patrimônio público na lata do lixo. Eles devem ser preservados estrategicamente para terem bom uso na hora mais adequada”, afirma o arquiteto Sergio Reze, do movimento Defenda São Paulo.

Confira a lista dos imóveis que podem ser vendidos

O Ministério Público estadual também mantém em andamento um inquérito para investigar eventuais irregularidades na proposta e já realizou duas audiências públicas para ouvir a população. Com as informações colhidas pretende se certificar se a venda atende ao interesse coletivo.

Para o promotor Valter Santini, as leis que colocam as áreas disponíveis não preveem a possibilidade de troca ou o direcionamento dos recursos advindos para a construção de creches. “Não há garantia legal nem orçamentária que o dinheiro da venda desses terrenos irá para fazer creches. As leis não carimbaram o dinheiro para o item”, afirma. Dessa forma, caso eles fossem negociados o montante arrecadado iria para o tesouro e a alocação seria disputada durante o período de votação do orçamento. Santin também afirma que no caso da venda o dinheiro deveria privilegiar o pagamento de precatórios. E ainda há a possibilidade dos recursos nem irem para os cofres da prefeitura já que, no caso de um leilão, alguém que tenham títulos precatórios poderia usá-los para dar lances.

Estão disponíveis para venda um quarteirão no Itaim Bibi, a praça Alfredo di Cunto, na Moóca, e a sede da subprefeitura de Pinheiros e dois terrenos no distrito da Vila Mariana. Todas as áreas em regiões valorizadas de uma cidade em que há escassez de terrenos para a construção de novos empreendimentos imobiliários.

Na Vila Mariana, um dos bairros mais bem atendidos pela infraestrutura urbana da zona sul de São Paulo,  faltam espaços para a realização de feiras de troca, praças, imóveis adequados para abrigar a unidade de atendimento ambulatorial, atualmente sediada em um imóvel alugado, e habitação para pessoas de baixa renda. A escassez é relatada por moradores. “A subprefeitura diz que não pode fazer porque faltam terrenos”, lembra Osvaldo Bacan, presidente da associação de moradores do bairro que recebeu no último dia 13 uma audiência pública convocada pelo MP.  “Nós temos pretensos zeladores de praças, mas não temos praças para empregá-los. Temos muito poucas praças aqui”, afirma Marcelo Sampaio, morador local e membro do Preserva São Paulo. “A gente observa a falta de preocupação com os interesse da população ao passo que há um tremendo empenho em viabilizar os objetivos do setor imobiliário”, avalia.