Prefeitura de São Paulo chega atrasada à coleta reciclável e erra em prioridades

Com a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, coleta para reciclagem é responsabilidade compartilhada entre cidadãos, setor privado e governo. Administração Kassab gasta agora com trabalho que caberia a empresas

Prefeitura pretende instalar 1.500 PEV’s até o final do ano, mas esse tipo de coleta é agora responsabilidade do setor privado (Foto:Fábio Arantes/Prefeitura)

São Paulo – A coleta seletiva de resíduos sólidos secos, como papel, papelão, vidros e plásticos, não é mais responsabilidade da prefeitura, mas da iniciativa privada, de acordo com a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A prefeitura de São Paulo, na contramão da lei, pretende instalar, até o final do ano, 1.500 Pontos de Entrega Voluntária (PEVs), grandes contêineres verdes de plástico espalhados pelas ruas da cidade para abrigar esses materiais. 

A Lei 12.305, que estabelece a PNRS, foi sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2010, e, até 2014, os municípios terão se adaptar a ela. A nova política determina que não só o poder público é responsável pela gestão do lixo, mas também os produtores e os consumidores. De acordo com a legislação, fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes devem providenciar a coleta do lixo que eles mesmo produzem, os chamados resíduos sólidos. 

Segundo a socióloga Elisabeth Grimberg, coordenadora-executiva do Instituto Pólis, a prefeitura gasta com o que não devia em vez de cobrar das empresas. “A prefeitura desperdiça dinheiro público”, criticou. Segundo o Orçamento da administração de Gilberto Kassab (PSD), R$ 1 milhão será destinado este ano ao projeto.

“A prefeitura está instalando esses PEVs, mas está tudo errado. Quando tinha de fazer não o fez, e agora, em época de eleição, faz o que não é sua atribuição”, afirma Elisabeth. Ela explica que a PNRS estabelece a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores têm de estabelecer sistemas de logística reversa, um instrumento de gerenciamento dos resíduos que prevê o retorno de um produto do seu ponto de consumo ao ponto de origem, isto é, que responsabiliza todas as partes gradativamente.

Os comerciantes deverão recolher os produtos e encaminhar aos fabricantes, que devem dar a destinação adequada a eles. Cabe a todos, segundo a lei, colocar à disposição postos de entrega para os resíduos sólidos secos, que são aquilo que eles mesmos produzem e vendem. Ao consumidor cabe devolver o que é comprado.

Elisabeth explica que dos três tipos de resíduos existentes – sólidos, úmidos e rejeitos -, considera-se lixo só os rejeitos, que não podem ser reciclados, nem servem para compostagem, a técnica que transforma resíduos orgânicos em adubo para terra. “É responsabilidade da prefeitura somente a coleta e a destinação dos resíduos úmidos”, disse.

No dia 3 de agosto, a prefeitura terá de entregar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que definirá a administração do lixo em São Paulo e que deve estar de acordo com a PNRS. A menos de um mês do prazo, entretanto, ela segue no caminho contrário. Hoje, São Paulo tem um programa de coleta seletiva que atende a 75 dos 96 distritos a cidade. Caminhões das empresas concessionárias Loga e Ecourbis recolhem os materiais separados pelos cidadãos e os levam às 20 centrais de triagem, operadas por cooperativas de catadores. 

Os moradores dos bairros que não são compreendidos pelo programa devem ir até os PEVs e depositar seu lixo ali. O que é apanhado fora do programa de coleta seletiva vai para os dois aterros que atendem à cidade, e não passa por reciclagem. Com esse programa, oficialmente, 1% do lixo de São Paulo é reciclado. O Instituto Pólis considera que 10% de fato o seja, por conta da ação dos catadores e carroceiros que não são credenciados pela administração muncipal e, portanto, contabilizados.

“O que altera é que esse sistema que está funcionando em algumas ruas da cidade não é mais responsabilidade da prefeitura. Com a lei, quem tem de custear isso são as empresas privadas”, comentou Elisabeth. Ela explicou que cada setor empresarial tem de se organizar e estruturar um modelo para essa coleta. Segundo Elisabeth, não precisa ser um sistema privado de coleta. “A prefeitura pode continuar contratando essas empresas que coletam, mas terá de ser paga pelo setor privado e terá de refazer os cálculos dos custos de manejo de resíduos, porque menos resíduos vão ser coletados.” 

Hoje, do que é coletado pela Loga e pela Ecourbis, de acordo com Elisabeth, 40% são compostos por resíduos sólidos secos. Sobrariam os 60% de resíduos úmidos. “Não vai se pagar a mesma coisa para as empresas que prestam serviços para coletar tudo misturado, então esse sistema de cálculo, sim, tem de ser refeito.” O ideal, entretanto, segundo o Pólis, com uma perspectiva de inclusão social, é que sejam contratadas entidades de catadores. “A nossa proposta é que os grandes polos geradores, como restaurantes, clubes e bares, contratem as cooperativas de catadores”, disse.

De acordo com Elisabeth, o papel que a prefeitura deveria estar cumprindo neste momento é o de estabelecer diretrizes para o funcionamento da logística reversa e da responsabilidade do setor privado, segundo a PNRS, garantindo a universalização da coleta seletiva. “Cadê a cobrança da prefeitura sobre o setor empresarial, quando é que vão apresentar o modelo e vão começar a operar?”, questionou.