“Eu não durmo, com medo que o prédio caia”, diz moradora do CDHU Brasilândia

Obra entregue em janeiro de 2011 apresenta problemas estruturais, como infiltrações e ausência de fios e cabos para linha de telefone

Portão teve de ser financiado pelos moradores (Foto: Igor Carvalho)

São Paulo – Há um ano, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU) entregou para moradores removidos de favelas no Jd. Paulistano e no Carumbé, um conjunto habitacional com cinco prédios, na Brasilândia: o condomínio Flor do Lírio. A aquisição da casa própria poderia ser a grande realização para essas pessoas, mas se tornou um enorme imbróglio.  Com problemas graves na estrutura dos prédios, alguns moradores cogitam voltar para alguma favela, mas já calculam os prejuízos. Alguns apartamentos, comprados por R$ 67 mil, já estão sendo colocados à venda por pessoas insatisfeitas, mas os interessados desistem quando veem os imóveis. As ofertas giram em torno de R$ 30 mil.

Telefone pra quê?

Na era da internet, os moradores do condomínio residencial Flor do Lírio só podem se comunicar com o mundo pelo celular. Isso porque a construtora Concremax, contratada pela CDHU para realizar as obras, não instalou corretamente a estrutura e a central telefônica necessárias. Sem poder realizar o serviço, a Telefônica diz em seu laudo: “Tubulação construída com canaflex danificada em alguns pontos…e com excesso de curvas e curva reversa”.  Para finalizar, a empresa sentencia o motivo pelo qual não poderá fazer a instalação: “Tubulação construída em desacordo com o projeto aprovado”.

“Vaquinha” para comprar um portão que funcione

Quando o condomínio foi entregue, um portão sem qualquer tipo de fecho protegia a garagem. Sem proteção, pessoas que moram na região, mas não nos prédios, começaram a deixar o carro no estacionamento do condomínio. Pessoas de fora entravam no conjunto habitacional e tinham acesso aos moradores a qualquer momento.

“Organizamos uma vaquinha, cada morador deu R$ 40 e compramos um portão de R$ 5.600 para o condomínio, ele é elétrico e trouxe mais segurança”, afirma Anara Costa, síndica geral do condomínio. Além do portão da garagem, os moradores tiveram que fazer outra “vaquinha” para comprar o portão de entrada de seus prédios, cada um custou R$ 780.

Na entrada do prédio, há um bueiro, que se tornou um buraco, ele começou no meio-fio e está tomando a rua e a calçada.

O muro que caiu e o que cairá

Os prédios ficam em um morro, por isso, há alguns muros de sustentação que teriam que impedir deslizamentos de terra. Um muro caiu no ano passado, sem deixar feridos. Durante a visita da reportagem do SPressoSP ao local, um outro muro, que protege uma escada, estava caído há dois dias.

Nas costas do prédio, há um outro muro que é metade de concreto e a outra metade de blocos, sem qualquer padronização, que está cedendo e os moradores só observam o avanço dele para dentro do terreno.

A caixa d’água e a canaleta

Apesar do pouco tempo de uso, apenas um ano e dois meses, a caixa d’água do condomínio já apresenta vazamentos. Anara explica que o vazamento é antigo. “Com menos de dois meses morando aqui, já começou esse vazamento.” As canaletas, que servem para desviar o curso da água e ajudar a escorrê-la para fora das áreas de convivência, foram construídas na beira do barranco, sem qualquer proteção. “Quando chove, alaga tudo, porque entope as canaletas com terra e pedra, aí temos que deitar na lama, enfiar o braço nos bueiros e puxar a sujeira, para desentupir”, conta o morador Juvenal dos Santos.

Infiltrações e rachaduras

O principal problema, apontado por moradores, são as infiltrações e rachaduras nos apartamentos. “Me entregaram o apartamento com vazamento, eu entrava para usar e tinha que usar guarda-chuva, porque caía água de todo lado.” Essa é a situação no apartamento de Ana Isabel de Siqueira.

No apartamento de Geisa Carvalho, a situação é mais alarmante: ““Eu tenho problemas de infiltração e vazamento desde que entrei aqui, os canos estão invertidos também. O meu cano está invertido com a mulher do 53, se ela desligar o registro, ela desliga a minha água, se eu desligar o registro desligo a água dela”.

Anderson Silva, que mora com mais sete pessoas em seu apartamento, está inconformado. ““Faz oito meses que não uso a pia do meu banheiro, se abro é certeza que vai infiltrar tudo, cria mofo depois, não tem condição.” Sem usar a pia, os filhos utilizam o chuveiro para escovar os dentes ou simplesmente lavar as mãos.

Um grande risco corta a parede da cozinha de Joaquina Fernandes. “Está aí desde que entrei aqui”, afirma a moradora. “O teto do meu banheiro caiu um dia, eu chamei a CDHU e eles disseram que estava tudo bem, arrumaram de qualquer jeito, tanto que quem pintou foi meu vizinho. Se chove eu não durmo com medo que o prédio caia”, diz. No apartamento de Geisa, também na cozinha, uma coluna teve que ser removida por conta de uma infiltração. Os funcionários da Concremax fizeram a remoção, porém nunca colocaram novos azulejos e a parede segue sem os acabamentos.

Descaso da CDHU

“O que eu mais ouço eles me dizerem é que o ‘prédio está se ajeitando’”, afirma Anara. Mas ao andar pelo condomínio e conversar com moradores a reportagem ouviu um grande número de pessoas que reclamam da falta de atendimento da CDHU. O descaso do órgão público é o que mais incomoda quem vive ali, isso porque se sentem desassistidos. Luciene Ferreira é subsíndica do bloco C, ela espera uma visita do CDHU há meses. “O pior é chamar o CDHU, eles falarem que vêm e nunca aparecerem aqui”, afirma.

Ana Isabel passou por uma cena constrangedora. “Minha porta é transparente, mas nunca tinha percebido, porque todas são iguais aqui e elas não são totalmente transparentes, aí um dia estava me trocando na sala e um moço estava me olhando. Quando reclamei, uma mulher da CDHU me deu esse saco plástico bolha e disse que isso não era um problema, que resolveriam isso. Até hoje, nada”, conta ela, que tem a única porta diferente do condomínio.

A reportagem do SPressoSP entrou em contato com a CDHU. O órgão retornou informando que enviará fiscais até o condomínio e nos próximos dias deve encaminhar uma resposta aos moradores.