Vale o lucro

Vale afetará vida de 51 comunidades em novo empreendimento, diz liderança

É como se todas essas pessoas não existissem, diz a líder quilombola Marlene Sousa, que comprou ações da mineradora para participar de assembleia, sobre estudos para licenciamento do empreendimento

Prefeitura Antonio Dias (MG)
Prefeitura Antonio Dias (MG)
Igreja matriz em Antonio Dias. Município será afetado

São Paulo – A líder quilombola Marlene de Sousa disse em reunião de acionistas da Vale que a mineradora afetará diretamente a vida de 51 comunidades. E que segundo os documentos para o licenciamento ambiental do empreendimento, é como se todas essas pessoas não existissem. A denúncia foi feita nessa sexta-feira (28), em assembleia geral ordinária. Para ter acesso, Marlene comprou ações da empresa e tornou-se a primeira quilombola a participar de um evento fechado como esse. E como não poderia deixar de ser, votou contra a aprovação da “Proposta da Administração 2023”.

Coordenadora da Comissão das Comunidades Quilombolas do Alto e Médio Rio Doce, ela apontou incoerências no documento. O que colocam em risco a vida de moradores de 51 comunidades tradicionais de 11 município da Serra da Serpentina, em Minas Gerais. Entre essas incoerências apontadas, o estudo e relatório e impacto ambiental (EIA/RIMA) aponta que o mineroduto atravessará as comunidades. Mas para obter a licença ambiental, a mineradora negou que vivam pessoas na área de influência do empreendimento. Ou seja, o EIA/RIMA encaminhado pela empresa aos órgãos licenciadores está, em grande parte, baseado em dados secundários. Em outras palavras, a Vale não enviou equipes ao local para fazer o levantamento das informações.

“No anexo 6 da ‘Proposta da Administração 2023’, item ‘b, Contexto de Negócio da Vale’, a Vale afirma que pretende se tornar ‘líder em mineração sustentável. E referência em criação e compartilhamento de valor com seus acionistas, stakeholders e sociedade.’ Também diz que tem como valores ‘a vida em primeiro lugar, agir com integridade e respeitar nosso planeta e as comunidades’. No entanto, essa não tem sido a prática da empresa em várias ações referentes a velhos e novos projetos, como é o caso do ‘Projeto Serra da Serpentina’. O projeto atinge 11 municípios da região das bacias hidrográficas do rio Santo Antônio. E também do rio Piracicaba, que compõem o vale do rio Doce, em Minas Gerais”, disse Marlene na assembleia.

“Estudos da Vale são omissos e tecnicamente falhos”

A liderança é coordenadora da Comissão das Comunidades Quilombolas do Alto e Médio Rio Doce. A entidade representa mais de 40 comunidades tradicionais, entre quilombolas e indígenas. Todas essas deverão ser afetadas diretamente pelas obras e operação do megaprojeto da companhia de extração e transporte de minério de ferro.

Em seu voto, ela lembrou aos demais acionistas que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) obriga as empresas a ouvirem os povos e comunidades tradicionais de forma prévia, livre, informada e de boa fé, para a elaboração de um EIA/RIMA. Afinal, se trata de uma ação administrativa com impacto irreversível à vida das comunidades.

“Os estudos ambientais omissos e tecnicamente falhos, como os apresentados pela Vale para o ‘Projeto Serra da Serpentina’, além de configurar irresponsabilidade socioambiental, poderão trazer danos morais e perdas financeiras aos acionistas e investidores. A subestimação dos impactos e danos – exemplos não faltam no histórico da empresa -, poderão ser objeto de judicialização e responsabilização criminal, levando à penalização da empresa e, consequentemente, de seus acionistas, com imputação de vultosas multas e pagamento de indenizações”, disse. “As contradições entre o que a Vale apresenta como valores e comportamentos-chave no relatório a seus acionistas são graves, e já trazem impacto à imagem da empresa”, completou.

Acionistas críticos em ação contra a Vale

O posicionamento da liderança está inserido na ação do movimento da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale. O intuito da iniciativa é alertar os investidores da companhia sobre os riscos financeiros decorrentes de violações de direitos humanos e ambientais cometidos pela empresa.

No caso de Serpentina, há o agravante de a população ser silenciada. Mesmo com a empresa tendo em seu histórico as 289 mortes nas tragédias causadas pelo rompimento das barragens da empresa em Brumadinho e Mariana. Além de denunciar o Projeto Serpentina, ela e outros acionistas críticos votaram contra a aprovação do relatório administrativo de 2022. Consideraram quatro pontos.

São eles:

  • A falta de transparência em relação à dívida líquida relacionada aos desastres de Brumadinho e Mariana;
  • A Fundação Renova, que faz a administração das indenizações, teve todas as prestações de contas reprovadas pelo Ministério Público de Minas Gerais, o que motivou o órgão a pedir a sua extinção ainda em 2021;
  • A falta de informações em relação aos projetos de expansão ferroviária e portuária no Estado do Maranhão também foi exposta. Outro ponto que requer mais detalhes é a redução de 46,4%, em comparação a 2021, no orçamento do Programa de Descaracterização, que muda as estruturas de barragens construídas em cumprimento à Lei Mar de Lama Nunca Mais;
  • Outro tema levado pelos acionistas críticos foram os impactos causados pelo projeto níquel Morowali, na Indonésia. A população local vem denunciando constantemente a poluição causada pela mineradora. Testes de qualidade de água realizados recentemente apontam concentração de metais pesados muito acima do permitido pela Organização Mundial de Saúde.

Redação: Cida de Oliveira