10 anos de Pará

Relatório denuncia danos ambientais da Cargill e aos povos indígenas

Estudo da organização Terra de Direitos mostra que empresa, que viola direitos dos povos Munduruku, conta com a falta de fiscalização pela estado

Foto: M'Boia Produções
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São Paulo – Gigante mundial da indústria de alimentos, a Cargill segue livre de exigência e de fiscalização no Pará, onde é sinônimo de prejuízos ambientais e aos povos indígenas. Entre eles, ameaças aos direitos territoriais intensificadas nos últimos anos, como paralisação das políticas de demarcação e flexibilização da legislação. Este é o resumo do levantamento inédito da organização Terra de Direitos lançado nesta quinta-feira (27).

A organização identificou uma série de impactos socioambientais, contra povoso indígenas e irregularidades cometidas pela Cargill no processo de licenciamento ambiental. E conclui:

  • a empresa não realizou a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas Munduruku
  • e nem os estudos de impacto ambiental que preveem os danos provocados aos indígenas que vivem na área de influência da empresa em Itaituba, no Pará. O direito à Consulta Prévia, Livre e Informada está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo o tratado, os povos e comunidades tradicionais devem ser consultados quando um empreendimento ou lei afete seu território ou modo de vida.

Além disso, a Cargill conta com a complacência da Secretaria de Meio Ambiente (Semas) do Pará. O órgão não exige nem fiscaliza o cumprimento das condicionantes. Em 2017, para renovar a Licença de Operação, o órgão exigiu a realização do Estudo do Componente Indígena nos territórios Munduruku de Praia do Mangue e Praia do Índio. E deu prazo de quatro meses, que vencia em agosto. Porém, não há evidências da realização desse estudo.

Omissão do governo do Pará a irregularidades da Cargill

Responsável pelas licenças para empreendimentos no estado, a secretaria tem papel central na concessão das licenças para a Cargill, mesmo diante das irregularidades. Segundo a Terra de Direitos, ao conceder a Licença Prévia (2014), de Instalação (2014) e de Operação (2017) à empresa, diante de um processo com irregularidades e sem consulta aos indígenas, o órgão público deixa de cumprir sua atribuição de realizar exames aprofundados sobre a consistência dos diagnósticos do EIA/RIMA.

Dois anos depois, uma decisão no âmbito do processo de licenciamento de um outro porto em Itaituba – no caso da empresa Rio Tapajós Logística (RTL) –, a Fundação Nacional do Índio (Funai) determinou a realização dos estudos indígenas. Por meio de um documento, determinou, mais uma vez, a consulta aos povos Munduruku do médio Tapajós. Isso como condição para renovação da licença da Cargill e de todas as empresas portuárias em Miritituba. Como das vezes anteriores, nada foi feito.

Neste mês, a Cargill completou um ano sem apresentar a renovação da Licença de Operação. Enquanto a secretaria paraense de meio ambiente se omite diante das irregularidades dos estudos da Cargill, a empresa se beneficia. E continua a operar na região do Tapajós, no Pará, sob um padrão de irregularidades e violações de direitos humanos de povos e comunidades tradicionais. Segundo a organização, da mesma forma que ocorreu no Porto de Santarém.

Para a população indígena Munduruku, os impactos socioambientais se somaram ao não reconhecimento de seus territórios. Nos estudos de impacto ambiental da Cargill são identificadas apenas duas aldeias (Praia do Índio e Praia do Mangue). No entanto, no relatório que visa apresentar os impactos e as ações reparadoras dos danos causados pela empresa, os indígenas Munduruku tiveram a completa negação de sua existência.

Direito indígena. De viver, de se alimentar

“Olha, acima de tudo, a questão de humanidade, o direito de consulta dos povos indígenas né? O direito de viver, nosso direito a se alimentar, direito de praticar o modo de vida que a gente foi ensinado há anos. Porque todos os direitos nossos estão sendo violados, seja na cultura, de forma sociotradicional. Então essa visão capitalista está destruindo nossa forma de viver, violando esses direitos que nós temos na Constituição, que hoje está sendo rasgada, sendo queimada, por pessoas que não têm compromisso nenhum, em se tratando do governo. Outros muito menos né?”, disse um indígena da Aldeia Praia do Mangue, localizada na margem esquerda do Rio Tapajós, em frente ao porto da empresa.

O documento lançado nesta quinta-feira é a segunda parte do estudo “Sem Licença Para Destruição – Cargill e as violações de direitos no Tapajós”, com foco nas irregularidades ambientais, impactos e violação de direitos promovidos aos povos tradicionais do município de Itaituba, no Oeste do Pará.

Presente em 70 países e no Brasil desde 1965, a Cargill é uma empresa multinacional norte-americana de capital privado. Uma das líderes mundiais em exportação de commodities agrícolas no país e em Itaituba, no Pará, opera um porto desde 2013 sem cumprir as obrigações estabelecidas pelo governo do Pará.

Cargill negou estudos quando se instalou

A primeira parte do estudo mostrou que o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da empresa foram protocolados sem informações informações essenciais. Ou seja, omite impactos das operações da Cargill aos moradores locais e, principalmente, povos e comunidades tradicionais, como os indígenas Munduruku.

Além disso, tem sido falha a fiscalização que deveria ser feita pelo órgão público. Isso coloca as comunidades e povos tradicionais em um cenário de devastação e violação de direitos.

Ainda segundo a organização, a expansão portuária pelo avanço do agronegócio para a região do Tapajós e da rota alternativa de exportação chamada Arco Norte trouxe uma série de impactos para as populações tradicionais. O Porto da Cargill – juntamente com os demais portos presentes em Itaituba e Miritituba – foram os responsáveis por modificar a paisagem e as dinâmicas sociais, econômicas e espaciais nesses dez anos de presença na região.

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