Um ano

Sem familiares, água e moradias: assim os sobreviventes assistem o crime que a Vale chama de ‘fatalidade’ 

Crime que resultou de imediato 272 mortes e 11 desaparecimentos por conta da negligência da Vale com barragem, segue prejudicando milhares de vidas 

Joka Madruga
Joka Madruga
MAB: A estratégia da (Vale) é não gastar, é dar tempo ao tempo para fazer as famílias abandonarem a luta pelos seus direitos no cansaço"

São Paulo – Um ano do crime socioambiental da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, a cidade não dá sinais de que a tragédia tenha sido superada. Ainda é a imagem das casas soterradas pela lama de rejeitos da barragem da mineradora que toma conta da lembrança dos familiares das 270 vítimas fatais, dos 11 desaparecidos, de uma cidade inteira e do rio Paraopeba, contaminado desde então. Na conta dos atingidos, 272 perderam a vida, já que entre os mortos há duas gestantes.

É neste município onde a agricultura foi inviabiliza, o abastecimento de água prejudicado e parte de sua história devastada, que a população viu a chegada deste sábado, envolta ainda de luto, dor e revolta.

“É uma data que nós não podemos deixar se esquecida, porque a Vale considerou isso como uma fatalidade, e não é uma fatalidade, é o caso de uma grande mineradora que coloca o lucro acima da vida, e que coloca a vida das pessoas como se fossem simplesmente objetos, coisas, considerando a vida das pessoas como custo”. A indignação do agrônomo e mestre em energia pela Universidade Federal do ABC Gilberto Cervinski, reflete o peso dos relatos que ele conhece por conta de sua atuação como integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

De Barcarena, no Pará, à Mariana, também me Minas Gerais, entre outras barragens na Bahia e Rondônia, o que não faltam são tragédias rompidas por barragens de rejeitos sem o devido cuidado. Brumadinho portanto, não é o único crime, mas nem por isso deixa de ser menos doloroso e com consequências que extrapolam as que perdas imediatas à tragédia.

“As pessoas têm problemas de doenças de pele, de queda do cabelo, porque um dos sintomas é esse quando se está contaminado por metais, tem contaminação de metais pesados nas pessoas, tem um problema de abastecimento de água, os pescadores não pescam mais porque os peixes estão contaminados, as áreas de turismo acabaram, porque as pessoas não querem utilizar uma área como essa. A agricultura não pode utilizar aguá para irrigar, porque essa água também causa depois ferrugens e problemas nas plantas”, elenca  Cervinski em entrevista aos jornalistas Nahama Nunes e Glauco Faria da Rádio Brasil Atual.

Mesmo a lama, de acordo com o coordenador do MAB, tanto no período de seca como de chuva, é perigosa para a população, por apresentar alta concentração de metais pesados, absolvidos pela própria respiração. “Tem problemas de toda ordem, muito grandes de saúde, contaminação da água, mas também das famílias que ainda não têm as indenizações ou reparações feitas”, acrescenta.

Há anos, em decorrência desses crimes socioambientais, o MAB vem denunciando a omissão da Vale em atuar sobre as consequências devastadoras posteriores à tragédia. De acordo com Cervinski, em Mariana, por exemplo, –  que também teve uma barragem rompida, matando 19 pessoas e devastando a bacia do rio Doce – até hoje, a Samarco, controlada tanto pela Vale como pela BHP Billiton,quatro anos depois do crime, não reconstruiu a moradia de parte das vítimas, que pagam desde então aluguel.

“A Vale tem 10% de Belo Monte, a maior hidrelétrica brasileira foi construída em quatro anos e não consegue construir uma casa em quatro anos para as famílias que ela destruiu? Isso é decisão política, decisão de uma empresa que não quer resolver os problemas das populações que foram atingidas por um crime que ela cometeu. A injustiça é muito grande, que não afeta só quem mora ao longo da bacia, mas todo mundo. Quem está pagando o aumento dos custos do SUS é toda a população”, contesta.

Controlada por bancos mundiais e nacionais, como o Bradesco, além de fundos de pensões, como mostra artigo do Brasil de Fato,  Cervinski não deixa de associar a falta de reparação com a omissão na segurança das barragens, tudo em nome do lucro. “Esses fundos eles exigem da Vale a arremessa a taxa máxima de lucros e a arremessa de dividendos. E a barragem, a solução das famílias, são custos, então eles exigem que não se gastem. Então a estratégia deles é não gastar, é dar tempo ao tempo para fazer as famílias abandonarem a luta pelos seus direitos no cansaço”.

É por conta disso que o MAB e outras entidades realizaram hoje diversas atividades pelo país, para rememorar essa data de luto e cobrar reparação. “Nós não achamos que a solução seja fácil, mas tem um culpado e responsável, as empresas, que não podem fugir da sua responsabilidade, e os governos, o Estado brasileiro e suas estruturas em Minas, que estamos vendo que estão capturados pela Vale”, critica o coordenador do MAB.

Confira a entrevista da Rádio Brasil Atual na íntegra