Relatório da ONU reforça deficiências na assistência jurídica a presos no Brasil

Grupo de trabalho visitou presídios em cinco cidades, conversou com autoridades, representantes de entidades e presos, e manifestou preocupação precariedade da assistência jurídica gratuita

Os peritos Vladimir Tochilovsky (à esq.), e Roberto Garretón explicam o relatório preliminar sobre condições dos presos brasileiros (Foto: Valter Campanato/ABr)

São Paulo – Uma delegação do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária divulgou relatório preliminar em que aponta a falta de assistência jurídica aos presos como um dos principais problemas do país em relação às detenções arbitrárias. O trabalho é fruto da primeira visita oficial do grupo ao Brasil, para avaliar a situação da privação de liberdade no país, realizada entre os dias 18 e 28 de março. O documento foi apresentado hoje (28), na Casa das Nações Unidas no Brasil, em Brasília. O relatório detalhado da visita será apresentado em março de 2014, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça.

De acordo com o documento, os defensores públicos podem ter de lidar com até 800 casos ao mesmo tempo, o que tem impacto negativo na assistência prestada aos presos. Além disso, mesmo em estados com estrutura de defensoria consolidada, áreas rurais e cidades do interior muitas vezes não contam com nenhum defensor público para atender os presidiários. Casos destacados foram os estados de Santa Catarina, Paraná e Goiânia, onde, segundo o grupo, não haveriam defensores públicos.

Outra situação que preocupou os membros da delegação, e que é consequência da primeira, é o uso da privação de liberdade como primeiro recurso de justiça, em vez de ser o último, como exigem as normas internacionais de direitos humanos. O ucraniano Vladimir Tochilovsky, membro do grupo de trabalho, disse ter encontrado “inúmeros casos onde os detidos foram presos, levados para a detenção e tiveram que esperar meses para ver um defensor público”, ressaltando que longas detenções anteriores ao julgamento também são um problema sério no Brasil. “Alguns esperaram anos antes que pudessem ter um julgamento e descobrir quais era as acusações contra eles.”

Paralelo a isso, o grupo destacou que há uma resistência dos juízes brasileiros em aplicar medidas alternativas à detenção, no caso de crimes considerados de menor importância, como pequenos roubos não violentos ou o não pagamento de pensão alimentícia. Isso contribuiria para o fato de o Brasil ter uma das maiores populações carcerárias do mundo, com 550 mil presos, sendo que desses 217 mil ainda aguardam julgamento. Como resultado da detenção excessiva, os presídios visitados estavam geralmente superlotados. Além disso, estima-se que 192 mil mandados ainda têm de ser executados.

Os delegados ainda expressaram suas preocupações em relação a prisões e ao confinamento compulsório de dependentes químicos. Segundo o relatório, em várias ocasiões isto envolvia usuários de drogas jovens, pobres e desabrigados que foram presos, alegadamente em um esforço para limpar as ruas. De acordo com os relatos recebidos pela comissão, estariam havendo pressões para reforçar este tipo de prisão, devido aos grandes eventos que o país irá receber, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Apesar dos problemas, o grupo destacou que pode realizar todos os procedimentos da visita devido à total cooperação do governo e que pôde visitar todos os locais de detenção que solicitou, realizando entrevistas privadas com os detentos de sua escolha, sem restrição. Os delegados também se reuniram com os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo; da Saúde, Alexandre Padilha; da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário; e diversos outros órgãos governamentais e organizações da sociedade civil.

A delegação visitou as cidades de Campo Grande, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo, além de Brasília. O grupo foi composto pelos peritos Roberto Garretón, do Chile, e Vladimir Tochilovsky.