Procuradora vê bons motivos para Justiça manter ação contra Ustra

Eugênia Gonzaga, do Ministério Público Federal em São Paulo, acredita que precedentes garantem sequência de julgamento penal contra coronel da ditadura

São Paulo – A procuradora da República em São Paulo Eugênia Gonzaga não vê motivo para que o Judiciário rejeite a ação apresentada esta semana contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado da Polícia Civil paulista Dirceu Gravina. “Vai ser muito difícil o Judiciário entender que não trata de sequestro ou que esse crime já estaria encerrado há muitos anos”, diz, em referência ao desaparecimento forçado de Aluízio Palhano Ferreira Pedreira, ocorrido em maio de 1971 no DOI-Codi, órgão da ditadura (1964-85) comandado por Ustra. 

Exatos 41 anos após o último contato com a família, o Grupo de Justiça de Transição do Ministério Público Federal pediu a condenação de Ustra e de Gravina a uma pena que vai de dois a oito anos de prisão. Os procuradores se baseiam em duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre casos de extradição de colaboradores da ditadura argentina. Os ministros avaliaram nas duas ocasiões que o sequestro é um crime permanente, ou seja, não cessa enquanto os corpos não aparecerem. 

Além deste precedente, recentemente o Judiciário reconheceu pela primeira vez a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos como argumentação de uma ação sobre a ditadura. Em 2010, o Brasil foi condenado pela entidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) por não investigar os crimes cometidos pela ditadura e por se valer da Lei de Anistia para evitar os direitos à verdade e à Justiça, dois passos básicos na transição à democracia. O juiz Guilherme Madeira Dezem, do Tribunal de Justiça de São Paulo, usou a decisão regional para conceder à família do militante João Batista Drumond o direito a alterar a certidão de óbito, apontando como local da morte o DOI-Codi e, como motivo, a tortura.

Confira a seguir a entrevista com Eugênia Gonzaga. 

Qual é a expectativa da senhora para a acolhida na Justiça Federal em São Paulo dessa ação?

A minha expectativa é muito positiva porque essa ação está seguindo integralmente o precedente do Supremo Tribunal Federal, então vai ser muito difícil o Judiciário entender que não trata de sequestro ou que esse crime já estaria encerrado há muitos anos. A nossa expectativa é bastante positiva.

O caso de Drumond, ao citar pela primeira vez a decisão da Corte Interamericana, mostra um amadurecimento do Judiciário?

Mostra, é um excelente precedente. É muito importante essa medida determinada  de retificação do atestado de óbito e mostra que estamos amadurecendo um pouquinho e caminhando alguns passos no sentido de justiça no Brasil.

A participação da sociedade veio aumentando nos últimos anos?

Eu acho que a gente devia colocar esse marco inicial lá atrás, quando a vala de Perus foi aberta. Eu acho que esse é o principal marco divisório nessa história e essa abertura se deu graças ao envolvimento das famílias que nunca desistiram de procurar pelos corpos e por Justiça. A partir de lá caminhou muito pouco nos primeiros 15 anos. Mas, depois de 2005, nós tivemos as primeiras identificações, a Corte Interamericana teve precedentes relacionados ao Chile, nós avançamos um pouco mais.

De que maneira o Ministério Publico pode continuar atuando na localização dos corpos? Quais as dificuldades em outros órgãos?

As dificuldades são muito grandes porque não é fácil em meio de centenas de ossadas encontrar dez, doze pessoas, com poucos dados sobre essas pessoas. São ossos em condições muito difíceis de se extrair exame de DNA. O Ministério Público vem acompanhando o tema desde o ano de 1999 e está sentindo as dificuldades, mas também vem constatando muita omissão por parte daqueles que deveriam tomar as medidas necessárias. Nós já processamos, processamos a União, o Estado de São Paulo, nós processamos o médicos, os legistas, as pessoas que já deveriam ter oferecido outro tipo de trabalho a sociedade. E o momento atual é que a Comissão Especial sobre Desaparecidos Políticos está tentando assumir o seu papel, fez um convênio com a Polícia Federal e está retomando esses trabalhos e o Ministério Público Federal vem acompanhando para garantir que esse trabalho seja concluído.