Ustra sofre nova ação por desaparecimento de militante da ditadura

Ministério Público Federal afirma que ex-comandante do DOI-Codi e delegado são responsáveis pela ocultação do corpo de integrante da Molipo morto em 1972

São Paulo – O Ministério Público Federal apresentou hoje (29) à Justiça Federal em São Paulo nova denúncia contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi, um dos principais centros de repressão da ditadura (1964-1985). Segundo o grupo de Justiça de transição, Ustra é o responsável pela ocultação do cadáver de Hirohaki Torigoe, integrante do Movimento de Libertação Popular, um grupo de resistência à repressão. 

Além da terceira denúncia contra Ustra, o MPF pede a condenação do delegado aposentado Alcides Singillo, que atuava no Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops) e que já sofreu ação penal pelo desaparecimento de outro militante político. Se condenados, os dois terão de cumprir sentença de um a três anos de reclusão. 

Os procuradores afirmam que Torigoe foi sequestrado pelos órgãos de repressão em 5 de janeiro de 1972. De acordo com duas testemunhas, o militante foi levado para o interrogatório no DOI-Codi, e houve uma discussão entre os policiais sobre a conveniência de interrogá-lo naquele momento, em que estava ferido. 

Naquela semana, a família de Torigoe chegou a perguntar por ele na sede do DOI-Codi. “A conduta dolosa de ocultação do cadáver resta totalmente caracterizada pelo fato de que os pais da vítima estiveram nas dependências do DOI-Codi antes da divulgação da notícia do óbito, em busca do paradeiro do filho. Lá, porém, funcionários do destacamento sonegaram-lhes a informação de que Hirohaki Torigoe fora morto naquele mesmo local e que seu corpo fora clandestinamente sepultado com um nome falso”, disse.

A família só soube da morte por uma informação divulgada na televisão no dia 19 de janeiro. Uma semana antes, porém, durante reunião do DOI-Codi, foi informado que a repressão havia conseguido promover baixas à Molipo, entre elas a de Torigoe. O corpo dele foi enterrado em 7 de janeiro, no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona oeste da capital paulista. 

A ficha necroscópica afirmava se tratar de “elemento terrorista que travou tiroteio com policiais”, mas colocava como nome de batismo Massahiro Nakamura. Ao ver uma notícia a respeito, Nakamura procurou o Deops para retificar a informação, mas o então delegado Alcides Singillo recusou-se a promover a retificação de óbito, o que levou a que a família descobrisse o destino do corpo apenas na década de 1990, quando foi descoberta a vala clandestina aberta em Perus.

De lá para cá, fracassaram todas as tentativas de promover a identificação do corpo. Este mês, o caso finalmente avançou graças ao trabalho de um grupo de peritos argentinos contratado pela Associação Brasileira de Anistiados Políticos (Abap). Eles viram erros grosseiros no trabalho feito pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e reduziram a cinco ossadas a possibilidade de identificação de Torigoe. O material genético será submetido agora a exame de DNA.

Histórico

Esta é a quinta denúncia penal oferecida pelo grupo de Justiça de transição do Ministério Público Federal. As outras quatro, porém, trabalhavam com outra linha de argumentação, acusando os réus de sequestro. As ações defendem que o desaparecimento do corpo impede levar à conclusão de que a vítima esteja morta, o que configura a continuação do crime de rapto promovido durante a ditadura.

No caso de Torigoe, porém, há comprovação da morte por meio de testemunhos e do atestado de óbito, ainda que falsificado, o que levou os procuradores a trabalharem com o pedido de condenação por ocultação de cadáver, dado que o corpo ainda não apareceu.