Idos de 1973

Adriano Diogo, torturado, desmente versão apresentada por Ustra à Comissão da Verdade

Hoje deputado estadual em São Paulo, ele afirma que comandante do DOI-Codi tirou o capuz e disse que mandou Alexandre Vannuchi para a 'Vanguarda Popular Celestial'

Assembleia Legislativa

Adriano Diogo recorda que em 1973 Ustra afirmou, com orgulho, que havia assassinado o estudante da USP Alexandre Vannuchi

São Paulo O agora deputado estadual Adriano Diogo era estudante de Geologia da Universidade de São Paulo quando foi preso pela Operação Bandeirante em 23 de março de 1973. Estávamos na ditadura militar, no governo do general Garrastazu Médici. Na rua Tutóia, em São Paulo, sede da Oban/Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), reinava o major do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Dias antes da prisão de Diogo, o estudante de Geologia da USP Alexandre Vannuchi Leme, de 22 anos de idade, tinha sido levado ao centro de torturas. Do livro Direito à Memória e à Verdade, escrito pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos: “O universitário Alexandre Vannucchi Leme, conhecido como Minhoca, foi enterrado sem caixão em uma cova rasa do cemitério de Perus, forrada com cal para acelerar o processo de decomposição e encobrir as marcas de tortura que motivaram sua morte. As versões contraditórias de suicídio com lâmina de barbear, apresentada pelos agentes do DOI-Codi aos outros presos políticos, e a de atropelamento durante fuga, divulgada publicamente, foram desmascaradas. Um grupo de nove presos políticos testemunhou na própria Justiça Militar as torturas a que foi submetido o estudante, nos dias 16 e 17/03/73, por uma turma de pelo menos 13 agentes daquele órgão”.

Segundo Adriano Diogo, quem supervisionava tudo era Ustra. Revoltado contra os protestos de estudantes da USP, que ajudaram a organizar uma missa de sétimo dia para o colega Vannucchi Leme, rezada pelo cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns — um dos principais adversários da ditadura, então — Ustra mandou prender outros 40 estudantes da universidade, dentre os quais o hoje deputado estadual do PT paulista, que era colega de classe de Alexandre.

Diogo diz que encontrou Ustra muito nervoso: “Tirou o capuz e falou: Acabei de mandar o Minhoca para a Vanguarda Popular Celestial. Você vai ser o próximo”. Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) era o nome de um dos grupos da resistência (Vannucchi era ligado à ALN, Ação Libertadora Nacional). “Ele é um assassino confesso, ele é um dos maiores verdugos da História do Brasil”, diz o deputado, que preside a Comissão da Verdade Rubens Paiva na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Ivan Seixas, ex-preso político, também torturado pessoalmente por Ustra, confirma que encontrou Adriano Diogo em condições deploráveis na Oban. O próprio Diogo diz que deu entrada às duas da tarde na chamada cela forte e foi torturado na cadeira de dragão até as quatro da manhã do dia seguinte. Amarrado, recebeu choques elétricos em todo o corpo.

Ao depor ontem na Comissão Nacional da Verdade, em Brasília, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra disse que combateu o terrorismo, que evitou a instalação do comunismo no Brasil e citou quatro grupos dos quais teria participado a hoje presidente Dilma Rousseff. Ustra foi confrontado pelo vereador paulistano Gilberto Natalini, do PV, outra de suas vítimas.

Ustra se negou a encarar o vereador de frente: “Eu não faço acareação com terrorista.”

O presidente da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, que estava na plateia, prontamente se levantou, apontou o dedo para Ustra e gritou: “Eu não sou terrorista. Terrorista é você!”

No vídeo abaixo, Adriano Diogo dá detalhes da tortura a que foi submetido e fala sobre o papel de Ustra. O vídeo termina de forma abrupta quando o deputado listava as mortes que aconteceram enquanto estava preso e que podem ser diretamente atribuídas a Ustra: teriam sido pelo menos cinco apenas naquele período, incluindo a de Alexandre Vannuchi Leme. Na entrevista, Adriano Diogo lamenta apenas que a convocação de Ustra não tenha sido precedida de um levantamento completo de todas as ações criminosas que podem ser atribuídas a ele.

A Oban, que formalmente antecedeu o DOI-Codi, foi financiada e apoiada por empresários brasileiros e aglutinou órgãos de repressão de diversas esferas, que aplicaram técnicas de tortura difundidas pelos Estados Unidos para defender a ditadura militar que derrubou o governo constitucional de João Goulart em 1964.

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Arquivo audio/x-realaudioustra
Na CNV, Ustra afirmou que salvou o país do terrorismo e de se transformar em um “Cubão” (Wilson Dias. ABr)
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Ustra afirmou à CNV que salvou o país do terrorismo (Foto: Wilson Dias. Abr)