Justiça

Presidenta do Conselho da Mulher de Sorocaba é vítima de denúncia anônima

Após cobrar apuração sobre armário entregue com bala de fuzil dentro, Manu Barros passa a ser investigada em processo administrativo

SindMetal Sorocaba
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Manu Barros, presidenta do CMDM, afirma ser vítima de perseguição devido à sua luta pelos direitos das mulheres de Sorocaba

São Paulo – Tudo pode ter começado em 19 de outubro do ano passado. Uma cápsula de fuzil calibre 7.62, de uso exclusivo do Exército, foi encontrada dentro de um armário solicitado pelo Conselho Municipal de Direito da Mulher (CMDM) de Sorocaba. O móvel, enviado pela prefeitura da cidade no interior de São Paulo, serviria para guardar documentos do CMDM. Além da cápsula, foi achado um frasco de própolis já aberto. As conselheiras, assustadas, registraram um Boletim de Ocorrência. Além disso, em novembro, um ofício solicitando segurança para as mulheres foi enviado à Secretaria da Cidadania (Secid) do município. No entanto, nenhuma providencia foi tomada. A situação, então, foi tornada pública em dezembro.

Reprodução - Conselho da Mulher de Sorocaba
Bala de fuzil e frasco de própolis em armário entregue ao CMDM no ano passado

De lá para cá, a já difícil relação entre a presidenta do CMDM, a advogada Emanuela Barros, e o poder público local, se agravou. Para ela, inclusive, o frasco de propólis era uma clara referência ao fato de ela “falar demais” ao cobrar direitos em defesa das mulheres.

Com mais de 20 anos de atuação na área, na cidade de Sorocaba, Manu Barros vem sofrendo ameaças – algumas sequer podem ser relatadas por virem de gente poderosa, diz ela. E afirma estar sendo vítima de perseguição. Está sendo investigada pela Corregedoria-Geral do município em função de uma denúncia anônima. Presidenta do Conselho da Mulher de Sorocaba desde 2018, Manu é acusada em um processo administrativo, de cooptar vítimas para atendimentos advocatícios privados. A advogada nega veementemente a denúncia.

Tarefa árdua

Atuar em defesa de mulheres vítimas de violência já é tarefa árdua em um país onde feminicídios costumam ser tolerados e até normalizados. Mas, avalia Manu, sua situação piorou desde que a cidade passou a ser administrada pelo prefeito Rodrigo Manga (Republicanos).

Segundo a advogada, a atual gestão tem a mesma relação com os conselhos de cidadania que a administração federal. Na linha bolsonarista, afirma Manu, o atual prefeito ignora a legalidade e a importância dos conselhos. “O prefeito tem sido antidemocrático com todos, deslegitimando a atuação de todos os conselhos. Ele, após um ano de gestão, não indicou os participantes do poder público, se recusa a publicar em Diário Oficial a recondução de mandatos que se iniciaram em gestão anterior a dele. E está obrigando a fazer novas eleições para poder aparelhar os conselhos com pessoas da sua confiança”, denuncia.

Um encontro casual entre a presidenta do CMDM e o prefeito, na abertura do ano legislativo da Câmara Municipal, em 1º de fevereiro, virou bate-boca. Manu Barros interpelou o prefeito sobre a falta providências quanto à cápsula de fuzil encontrada no armário. E afirmou ter tentado falar com Manga diversas vezes, sem ser atendida. “A senhora esteve no gabinete ou não?”, questionou Manga, repetidamente. “Eu não fui respondida até agora. Você já atendeu, alguma vez, algum conselho sozinho?”, respondia a advogada. Manu disse ainda que “nenhuma mulher merece ser ameaçada”, ao que o prefeito afirmou: “ela é candidata do Psol e está aqui querendo fazer barulho”.

A advogada foi candidata a vereança nas últimas eleições municipais, de 2020, alcançando mais de 3 mil votos. Mas não foi eleita.

Procurada pela reportagem, a prefeitura não se manifestou (leia abaixo).

Perseguição política

Em janeiro deste ano, o Comitê de Direitos Humanos e Cidadania de Sorocaba e Região encaminhou tanto à Câmara de Vereadores como ao prefeito um manifesto pela apuração de ameaças contra o CMDM. O documento com 468 assinaturas solicita a elucidação dos fatos e a garantia de segurança às conselheiras. Ainda assim, sem providências.

Para a presidenta do Conselho da Mulher, o processo administrativo que a investiga não passa de perseguição política. Manu Barros conta que desde 2018, quando muda a legislação e o CMDM passa a ter caráter deliberativo, a ala mais conservadora da cidade começa a se incomodar com o Conselho. Com 35 anos, o Conselho da Mulher de Sorocaba é o segundo mais antigo do país, depois do de Salvador (BA).

O trabalho das conselheiras garante avanços como o funcionamento 24 horas da delegacia de defesa da mulher. Assim como a eleição da primeira conselheira trans, Thara Wells, que no entanto é vista como uma afronta pela parte conservadora da sociedade sorocabana, relata Manu. Além disso, o CMDM passa a fazer crítica ao Poder Judiciário local diante do alto índice de arquivamento de medidas protetivas de urgência durante a pandemia. A anunciada queda no número de casos de violência contra as mulheres seria, na realidade, segundo as conselheiras, subnotificação.

Minha bala

Coincidência ou não, o poder público municipal atuou no sentido de alterar as relações entre o CMDM e o Centro de Referência da Mulher (Cerem). A coordenadoria do Cerem foi trocada, lembra Manu. Além disso, as conselheiras do CMDM foram avisadas que poderiam ficar sem sua sede “por falta de uso”, sendo que as reuniões não estavam sendo presenciais em função da pandemia.

E, então, o processo administrativo que para Manu Barros é totalmente irregular. Ela, inclusive, recorreu a um mandado de segurança – já negado – para resguardar o direito de não depor sobre o assunto. Advogada, Manu lembra que uma denúncia anônima só pode ser acatada e virar processo se tiver provas. O que não é o caso. O processo, apesar de correr em sigilo, virou assunto do Cruzeiro do Sul, jornal local, na quarta-feira (9). “Querem me destruir”, diz Manu.

A presidenta do Conselho da Mulher de Sorocaba conta que desde a morte da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, no Rio de Janeiro, se perguntava: “quando vai chegar a minha bala”. E responde: “agora chegou”.

Manu está com medo. Teme pela sua segurança e de sua família. Ela é casada e tem duas filhas, de 22 anos e de 14 anos. Apesar de enfrentar ameaças, xingamentos em telefonemas anônimos e esse processo administrativo considerado descabido por muito juristas da cidade – que inclusive estudam protocolar um pedido de providências junto à OAB – Manu não pretende fugir a luta. E parece ter transmitido isso às filhas. Helena, a mais velha, foi às redes sociais denunciar a reportagem do Cruzeiro do Sul. Assista:

Prefeitura de Sorocaba

A reportagem da Rede Brasil Atual enviou para a Prefeitura e a Secretaria de Comunicação de Sorocaba as seguintes perguntas, que não foram respondidas:

O que a prefeitura fez para apurar como uma bala de fuzil foi parar em um armário enviado pela prefeitura ao CMDM? Por que não respondeu aos questionamentos feitos pelo CMDM?

No dia 1º, a presidenta do CMDM e o prefeito discutiram na Câmara de Vereadores. Em vídeo dessa discussão o prefeito diz que receberia a presidenta do CMDM. Essa reunião já ocorreu ou está agendada?

Como é a relação do prefeito com o CMDM?

Caso respondam, a reportagem será atualizada.

Nota de Manu Barros sobre o processo administrativo

“Sobre a decisao a respeito da liminar, é importante esclarecermos alguns pontos para entendermos de fato o que ela representa:

1. Primeiro, é uma decisão inicial, não se trata do julgamento do mérito efetivo do recurso

2. Segundo, é uma decisão que ainda pode ser reformada pelo tribunal

3. Ela citou que teria transcorrido o prazo para interposição do recurso, mas não se atentou para o fato de que o prazo só se inicia a partir da ciência do ato coator

4. Pelo que se lê da decisão, verificamos que a juíza entendeu que a minha oitiva no processo administrativo seria meramente “de interesse” para a instrução do processo. Ocorre que, na realidade, eu figuro como investigada neste procedimento, porque a denuncia se reporta especificamente a presidente do conselho da mulher.

Importante ressaltar que a denuncia foi anônima e sem qualquer outra prova que a subsidiasse, o que, pela jurisprudência pacifica dos tribunais superiores, é considerado ilegal e abusivo.

Por isso, respeitando eventuais entendimentos contrários, iremos seguir com as medidas legais e processuais cabíveis contra a decisão.”


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