Memória

Prédio do DOI-Codi, em São Paulo, será tombado pelo patrimônio histórico

Órgão estadual de preservação aprova, por unanimidade, pedido feito por militante que sofreu torturas na ditadura. Próximo passo é garantir que prédio deixe de ser utilizado como distrito policial

Arquivo CNV

Ivan (segundo, da esquerda para a direita) foi o autor do processo sobre o atual 36ºDP, ao fundo

São Paulo – O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, de São Paulo (Condephaat) decidiu hoje (27) pelo tombamento do prédio do antigo DOI-Codi, um dos principais centros de repressão da ditadura (1964-1985), onde hoje funciona o 36º Distrito Policial, no Paraíso, zona sul da capital. O processo, aprovado por unanimidade, foi proposto pelo presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana, Ivan Seixas, segundo o blogue Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim.

Seixas, ainda adolescente, foi preso junto com o pai, Joaquim Alencar Seixas, em 16 de abril de 1971. Os dois pertenciam ao Movimento Revolucionário Tiradentes. Detidos na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, foram levados para o edifício da Rua Tutoia, número 921, onde funcionava o DOI-Codi.

Segundo o Conversa Afiada, Ivan e o pai passaram por sessões de tortura durante todo o dia. Os agentes da repressão, na mesma data, saquearam a casa da família, e sequestraram a mãe de Ivan, Fanny Aksebud Seixas e as irmãs Ieda e Lara Seixas. No dia seguinte, Ivan foi levado para uma simulação de fuzilamento e, na volta, leu em uma banca de jornal que seu pai havia sido morto pelo Exército. No DOI-Codi, soube que Joaquim ainda estava vivo, mas, em seguida, acabaria assassinado pelos agentes do regime.

É um entre muitos casos registrados nos porões do DOI-Codi, por onde sofreram algum tipo de tortura 1.843 pessoas entre 1969 e 1975, segundo registros obtidos pelo projeto “Brasil: nunca mais”, patrocinado pela Arquidiocese de Sâo Paulo e pelo Conselho Mundial de Igrejas. Por lá passaram Dilma Rousseff e o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, morto ali, que teve o atestado de óbito falsificado para abrigar a tese de suicídio. Registros das Forças Armadas revelados no ano passado pela Comissão Nacional da Verdade mostram que 50 pessoas perderam a vida nas dependências do destacamento.

Na decisão de hoje, a relatora do processo no Condephaat, a conselheira Silvana Barbosa Rubino, lembrou que o prédio não tem qualquer atributo físico que justificasse o tombamento. Também não é possível atestar a originalidade inalterada do prédio, mas o valor histórico do local justifica sua preservação.

Em entrevista ao Conversa Afiada, Ivan elogiou a decisão. “Aquele foi o plano-piloto da repressão política no Brasil. Começou com a Oban e depois virou o DOI-Codi, um modelo que se reproduziu por todo o país. Agora, São Paulo faz o caminho inverso, e dá um exemplo ao Brasil”, disse ele. “Infelizmente, a tortura não é coisa do passado. Os vizinhos do DOI-Codi ouviam nosso gritos de dor todos os dias, assim como a periferia ainda escuta os gritos dos seus mortos.”

O deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) também foi preso e torturado no DOI-Codi e hoje preside a Comissão da Verdade paulista – que leva o nome do deputado assassinado Rubens Paiva. Ele lembrou que o próximo passo é tirar o 36º DP do terreno da Rua Tutoia. “É como ter uma fábrica de gás em cima de um campo de concentração”, diz. O deputado já moveu dentro da Assembleia um pedido para que a Secretaria de Segurança Pública entregue o prédio.

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