Reprodutor de desigualdades

PGR vai contra aplicação de ‘insignificância’ no STF em furtos de itens de pequeno valor

Ação propôs ao Supremo uma súmula vinculante para evitar que os tribunais neguem a aplicação do princípio de insignificância. Estudos mostram interpretação restrita do Judiciário, que mantém encarceradas pessoas que furtaram alimentos

Valter Campanato/Agência Brasil
Valter Campanato/Agência Brasil
A DPU também argumenta que o princípio da insignificância nem sempre é seguido. E que há juízes e desembargadores que não só mantêm as prisões como condenam as pessoas acusadas de furto famélico

São Paulo – A Procuradoria-Geral da República se manifestou contrária a um pedido da Defensoria Pública da União (DPU) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) aplicasse de forma fixa o chamado “princípio da insignificância” em casos de furtos de baixo valor ou famélicos. Neste caso, quando alguém furta comida, medicamentos ou qualquer outro item imprescindível para sobrevivência.

O entendimento jurídico, também conhecido como princípio da bagatela, tem como objetivo não penalizar esse tipo de furto que não faz uso de ameaça, violência ou arma. No entanto, em parecer enviado nesta sexta-feira (22) ao STF, o procurador-geral Augusto Aras, apontou discordância na aplicação da tese. Segundo Aras, “inexiste controvérsia atual relevante sobre a compatibilidade do princípio da insignificância com o ordenamento jurídico brasileiro”.

No entanto, os critérios propostos pela ação da DPU “são demasiadamente abstratos para que se possa alcançar o objetivo de pacificação das dissonâncias”, alega. O procurador também aponta “patente risco de ampliação da litigiosidade sobre a questão e a supressão da função das instâncias ordinárias no processo de amadurecimento desses parâmetros”. E que a edição da súmula sobre o assunto abriria espaço para que mais casos chegassem ao Supremo por via de outra ação, a chamada reclamação constitucional.

Descumprimento da insignificância

Ao propor a súmula vinculante, a DPU busca, contudo, evitar que os tribunais neguem, de forma genérica, a possibilidade da aplicação da insignificância. Em 2004, o STF estabeleceu requisitos para a aplicação do princípio, mas não tornou o entendimento obrigatório e os casos continuam chegando à mais alta Corte do país. De acordo com o defensor público Flávio Aurélio Wandeck Filho, que atuou na ação, muitas vezes o custo processual é maior do que o prejuízo dos itens furtados. Em entrevista ao UOL, o defensor citou estudo do órgão que indica que cada ação custa ao Estado no mínimo R$ 6.400.

Além disso, desde 2013, pelo menos 571 acórdãos e 3.305 decisões monocráticas sobre insignificância foram proferidas no STF. Uma média de 26 por mês. Dados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) apontam 7.702 acórdãos e 62.771 decisões individuais de ministros.

A DPU também argumenta que o princípio da insignificância nem sempre é seguido. E que há juízes e desembargadores que não só mantêm as prisões como condenam as pessoas acusadas de furto famélico, mesmo em um cenário de aumento da fome no país. No ano passado, levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) mostrou mais de 33 milhões de brasileiro em situação de insegurança alimentar.

Os defensores observam que os juízes alegam diferentes motivos para não aplicar o princípio da insignificância, principalmente diante da reincidência do réu. Com os recursos dos advogados, esses processos aumentam a demanda dos tribunais superiores provocando, em consequência, mais lentidão e um aumento na já terceira maior população carcerária do mundo.

Redação: Clara Assunção
(*) Com informações do g1