Justiça e reparação

Para PGR, lei sancionada por Tarcísio que homenageou agente da ditadura é inconstitucional

Legislativo e Executivo não podem enaltecer valores contrários ao Estado de direito. Já o BB, em outra frente, será investigado sobre suposta participação na escravidão no século 19

PUC-SP
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Invasão da PUC-SP em 1977 teve centenas de presos

São Paulo – Democracia não convive com autoritarismo, afirma a procuradora-geral da República em exercício, Elizeta Ramos, ao avaliar pedido de anulação da lei que homenageou o ex-coronel e ex-deputado Erasmo Dias. A Lei estadual 17.700/2023, sancionada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), deu o nome do militar a um trecho de rodovia no interior. Partidos e entidades ingressaram com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7.430) contra a medida.

“O ato de nomear espaços, vias e logradouros públicos tem relevância
social, histórica e cultural, como forma de evocar valores”, lembra a procuradora-geral no início de sua manifestação sobre a ADI 7.430. Assim, mesmo reconhecendo “méritos” de Erasmo Dias como militar do Exército e parlamentar, ela considerou que a trajetória de vida mostra ligação com a prática de atos antidemocráticos durante a ditadura. E isso, conclui, “significa perenizar a memória de momento tormentoso da história
brasileira e, em consequência disso, enaltecer, mesmo que de forma simbólica, o autoritarismo”.

Invasão da PUC em 1977

O também ex-secretário de Segurança Pública foi homenageado em projeto de lei de 2020 do ex-deputado estadual bolsonarista Frederico D’Avila (PL). O PL foi aprovado neste ano e sancionado por Tarcísio em junho, sob protestos de parlamentares, ativistas e ex-presos políticos. Erasmo Dias, que morreu em janeiro de 2010, aos 85 anos, é sempre lembrado pela invasão à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 22 de setembro de 1977, quando centenas de estudantes foram presos e dezenas de pessoas ficaram feridas.

Assim, para a procuradora-geral, Legislativo e Executivo não podem, por meio de ato normativo ou lei, enaltecer condutas criminosas ou glorificar valores contrários ao Estado democrático de direito. “O regime democrático é valor-fonte sobre o qual repousam o Estado de Direito, o postulado republicano e os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988″, afirma Elizeta Ramos. Ela opinou pelo não reconhecimento da ação (por considerar que o instrumento jurídico não era adequado), mas pela procedência do pedido no mérito. A relatora da ADI é a ministra Cármen Lúcia.

Banco do Brasil e escravidão

Em setembro, o Ministério Público Federal instaurou inquérito civil que pretende apurar as responsabilidades e participação do Banco do Brasil na escravidão e no tráfico de pessoas negras no século 19. “O objetivo da ação é promover a reflexão sobre o tema para garantir que crimes contra a humanidade como esse jamais se repitam, além de garantir mecanismos de reparação com um olhar voltado para o presente e o futuro, em uma discussão sobre memória, verdade e justiça”, diz o MPF.

O inquérito foi instaurado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC-RJ). Isso ocorreu após manifestação apresentada por um grupo de 15 professores e universitários. “No caso do Banco do Brasil, os historiadores apuraram que havia uma relação de “mão dupla” da instituição financeira com a economia escravista da época, que se revelava no quadro de sócios e na diretoria do banco, formados em boa parte por pessoas ligadas ao comércio clandestino de africanos e à escravidão”, lembra o Ministério Público. Foi dado prazo de 20 dias para que o BB apresente considerações sobre a pesquisa.