Crime

Para diminuir impunidade, projeto regulamenta expropriação em caso de trabalho escravo

Em debate na Câmara, especialistas defendem regulamentação de artigo da Constituição que trata do tema

Sergio Carvalho/MTE
Sergio Carvalho/MTE
Especialistas defenderam a regulamentação do artigo 243 da Constituição, que trata da expropriação de propriedades onde haja exploração de trabalho escravo

São Paulo – Com o diagnóstico de que a impunidade é um dos fatores que estimulam o trabalho análogo à escravidão, projeto apresentado neste ano na Câmara regulamenta a expropriação em propriedades flagradas na prática desse crime. Em debate realizado ontem (22) na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, a coordenadora de Combate ao Trabalho Escravo (Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania), Andreia Minduca, disse que o número de trabalhadores resgatados nessa situação está aumentando.

“Em 2020, nós tivemos 943 resgates. Em 2021, quase 2 mil, 1.959. Em 2022, 2.587. E agora em 2023, ainda na metade do ano, já temos 1.443 trabalhadores resgatados da condição de trabalho análogo à de escravo”, afirmou a coordenadora, citando dados da fiscalização. “Entre 2008 e 2019, tivemos apenas 4% dos acusados condenados pelo crime de trabalho escravo”, acrescentou.

Quase todos inocentados

Já o juiz Rodrigo Trindade, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, no Rio Grande do Sul), citou outro dado que reforça a ideia de impunidade. Segundo o magistrado, o tribunal com mais casos desse tipo no país, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1, que abrange Centro-Oeste, Norte e Nordeste), inocentou 99,52% dos acusados de submeter pessoas a condições análogas à escravidão.

Assim, durante o debate, integrantes do governo, da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT) defenderam a regulamentação do artigo 243 da Constituição, que trata da expropriação de propriedades onde haja exploração de trabalho escravo. Essas áreas devem ser destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular. É o que trata o Projeto de Lei (PL) 1.102/2023, apresentado em abril pela deputada Reginete Bispo (PT-RS), que tramita apensado (anexado) a um projeto de 2005 (PL 5.016/05). Os textos aguardam a criação de comissão especial para análise. Segundo a Agência Câmara de Notícias, há mais de 50 propostas que tratam do tema na Casa.

“Não era comigo”

“O tratamento sério do trabalho escravo, da erradicação do trabalho escravo no Brasil deve começar com o afastamento da ideia do ‘não era comigo’”, afirma o juiz Trindade. “O tomador de serviço do trabalho terceirizado precisa ser responsabilizado. Isso é essencial em qualquer projeto de lei de expropriação: reconhecer a responsabilidade da cadeia produtiva. Porque a pessoa que faz a intermediação do trabalho do escravo, nós vimos isso nas colheitas da uva do Rio Grande do Sul, essa pessoa não tem patrimônio a ser expropriado.”

Para o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto, é preciso manter o conceito previsto no Código Penal que caracteriza a condição análoga à escravidão. O artigo 149 fala em submissão a trabalho forçado ou jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador. “Temos o problema de aplicação de leis e normas, até por conta da falta de regulamentação da PEC do Trabalho Escravo, temos a falta de auditores-fiscais em número suficiente”, destacou Sakamoto. O governo autorizou recentemente a abertura de concursos públicos para várias áreas, incluindo 900 vagas para auditores-fiscais.

“Temos a necessidade de mais recursos orçamentários para as instituições que combatem o trabalho escravo, temos uma necessidade de não interferência política no combate ao trabalho escravo”, acrescentou o jornalista e presidente da organização Repórter Brasil. Ele observou ainda que, em situações de crise econômica, a vulnerabilidade para o trabalho escravo aumenta, enquanto com a retomada econômica os resgates crescem. Assim, não é possível dizer com precisão se a prática tem aumentado ou diminuído, apenas aferir as ações de fiscalização.

Com informações da Agência Câmara de Notícias