Máquina de tragédias

Observatório da USP defende medidas estruturais para áreas de risco do litoral norte

Especialistas do observatório ligado à FAU/USP querem ações coordenadas entre os entes federativos, com prioridade aos moradores de baixa renda. Além disso, ações de prevenção e mitigação de risco, com transparência e participação dos atingidos

Rovena Rosa/ABr
Rovena Rosa/ABr
Deslizamentos de terra devido às fortes chuvas entre sábado e domingo últimos: Até agora foram confirmadas 54 mortes. Pelo menos 2 mil perderam suas casas

São Paulo – Especialistas do Observatório de Remoções reivindicam medidas estruturais em defesa dos moradores das áreas de risco do litoral norte de São Paulo. Ou seja, um conjunto de ações coordenadas entre os entes federativos, que articule políticas pelo atendimento prioritário e subsidiado aos moradores de baixa renda dos municípios atingidos. Além disso, ações de prevenção e mitigação de risco.

O Observatório de Remoções surgiu da união de pesquisadores do LabCidades, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do ABC (UFABC), com o objetivo de monitorar os processos coletivos de remoções, em diferentes regiões metropolitanas do país.

Para a entidade, a solução para a situação após os deslizamentos de terra provocados pelas chuvas da semana passada no litoral norte paulista vai além. Segundo os pesquisadores, exige transparência e um plano para definição das intervenções, com a participação da comunidade atingida pelos deslizamentos de terra devido às fortes chuvas entre sábado e domingo últimos.

Até agora foram confirmadas 54 mortes. Pelo menos 2 mil perderam suas casas. Na quarta-feira (22), a Justiça de Caraguatatuba concedeu liminar autorizando a evacuação preventiva e provisória de pessoas em locais de risco.

A medida, com aval do Ministério Público, foi tomada diante da possibilidade de mais deslizamentos e sob a justificativa de salvar vidas. A decisão prevê também que as famílias desabrigadas serão acomodadas em alojamentos provisórios administrados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Social de São Sebastião.

Além disso, determina que a Defesa Civil e as forças de segurança poderão atuar em Boiçucanga, Juquehy, Cambury, Barra do Sahy, Maresias, Paúba, Toque Toque Pequeno, Barra do Una, Barequeçaba, Varadouro, Itatinga, Olaria, Topolândia, Morro do Abrigo, Enseada e Jaraguá. Além de outras localidades em que posteriormente sejam identificados riscos. 

Remoção compulsória no litoral norte é insuficiente

A preocupação dos especialistas é que as ações das autoridades estaduais e locais se resumam à remoção compulsória nas localidades mais atingidas no litoral norte. “Apenas a evacuação, sem medidas de curto, médio e longo prazo que terminem com uma solução habitacional adequada e segura, terminam repetindo o ciclo de ocupações de áreas ambientalmente sensíveis. Só na Vila Sahy, área onde ocorreram as maiores tragédias, moravam 2.500 pessoas, de acordo com o censo demográfico de 2010. Esta população, se removida, onde irá morar?”, questiona o grupo vinculado ao Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (labCidade), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP).

O Observatório cruzou dados de 2014 do Instituto Geológico (IG) sobre áreas apontadas como de risco com o censo demográfico de 2010. Os dados defasados, porém os mais atuais entre os disponíveis mostrou que cerca de 14 mil pessoas vivem dentro ou no entorno imediato das áreas demarcadas como de risco. Nesse grupo estão as duas mil pessoas que estão sem casa desde o último domingo (19).

“O provisório é insuficiente para interromper o ciclo de remoções que empurra os mais pobres para situações cada vez mais precárias de moradia. O emergencial deve ser garantido, mas isso não impede a Justiça de cobrar do Estado a sua responsabilidade pela política do deixar morrer”, diz trecho da nota assinada pela arquiteta Raquel Rolnik, coordenadora do LabCidade, e o advogado Benedito Roberto Barbosa, pesquisador do grupo, entre outros.

Como será a vida da população removida?

“Nesse contexto, nós questionamos: quais famílias serão removidas? Onde serão abrigadas? Por quanto tempo? Em que condições? Há que se questionar também como será a vida dos evacuados, exigindo políticas não apenas habitacionais, mas de suporte à vida”, dizem os especialistas.

Os especialistas destacam que “evacuação” é uma medida provisória e momentânea. Consiste na necessidade mais imediata de saída em um momento de concentração de chuvas para evitar outras mortes. E que “remoção” é a retirada definitiva do lugar.

“Remoções só devem ocorrer baseadas em laudos e planos de mitigação e prevenção de risco que definam de forma bem concreta se as famílias podem voltar e em quais condições. Se não podem, é fundamental que seja oferecido um atendimento habitacional definitivo, para não se repetir o ciclo de novas ocupações”, destacam.

A culpa não é da chuva, nem das famílias pobres

“Parar a máquina das tragédias exige ações para além do emergencial e das políticas reativas. É preciso também pensar em políticas de médio a longo prazo. A repetição de tragédias previsíveis como esta, desmonta a ideia de que são acidentais, pois poderiam ser evitadas. A culpa destes eventos não é da natureza ou de chuvas ‘assassinas’, apesar da crise climática global atual, que potencializa eventos extremos tal como o ocorrido. E tampouco das famílias mais pobres empurradas para situações territoriais nas quais precisam conviver com a insegurança fundiária e o risco socioambiental. São desastres socialmente construídos, ou seja, não naturais, que devem ser evitados e mitigados, o que não se fará sem ruptura com este modelo urbanístico e de gestão territorial”, dizem ainda os especialistas.

Área mais atingida no litoral norte, a Barra do Sahy, em São Sebastião, é ocupada por casas e condomínios de veraneio de famílias de maior renda do lado da praia. Muitas dessas construções, aliás, estão em situação irregular do ponto de vista ambiental, com processsos que se arrastam há décadas na Justiça, conforme o Observatório.

Já do outro lado da rodovia Rio-Santos, estão os territórios populares, sem urbanização nem infraestrutura prévia. Exatamente como se reproduziram outros tantos territórios populares do país.

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Redação: Cida de Oliveira