Alternativa

MST defende a cooperação contra o trabalho análogo ao escravo no agronegócio

Para o movimento, os recordes de resgatados em condições análogas à escravidão chamam atenção para a necessidade de alternativas para superar o modelo de superexploração da mão de obra no campo

Divulgação/MST
Divulgação/MST
MST prossegue em uma campanha de esclarecimento sobre as atividades deste que é um dos maiores movimentos sociais do mundo

São Paulo – O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) defende a cooperação como alternativa ao trabalho análogo ao escravo empregado pelo agronegócio. Neste primeiro trimestre, entre janeiro e 20 de março, 918 trabalhadores foram resgatados em condições semelhantes à de escravidão. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), houve uma alta de 124% em relação aos primeiros três meses do último ano. O número é recorde para um primeiro trimestre em 15 anos.

Os estados de Goiás e Rio Grande do Sul lideram esses casos. Em Goiás, 365 pessoas foram resgatadas. Já no Rio Grande do Sul foram 293, sendo 207 só em Bento Gonçalves, em vinícolas ligadas a Salton, Garibaldi e Aurora, líderes do ramo.

No ano passado, 2.575 trabalhadores e trabalhadoras foram resgatados nessas mesmas condições. Entre eles, 35 crianças e adolescentes, sendo 87% em atividades rurais. Ao todo, desde a criação do sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil, em 1995, são mais de 60 mil trabalhadores e trabalhadoras vítimas da superexploração capitalista.

E as principais atividades econômicas flagradas usando mão de obra análoga à escrava nos últimos anos estão no agronegócio: cultivo de cana-de-açúcar, de alho, café, maçã, soja e pecuária, entre outras.

Trabalho análogo ao escravo remonta ao Brasil colônia

Débora Nunes, da direção nacional do MST, afirma que a recorrência do trabalho análogo à escravidão no campo é explicada por aspectos históricos, desde a sua formação social, política e econômica. Ou seja, elementos presentes no Brasil desde os tempos coloniais até os dias atuais, em que ainda prevalece o trabalho precarizado. “A escravização de trabalhadores integra o tripé da concentração da terra do grande latifúndio e produção da monocultura, sobretudo para exportação”, disse a dirigente.

Ela lembra que o trabalho análogo ao escravo vai além do trabalho forçado em jornadas intensas, em condições degradantes. E inclui a restrição do direito de ir e vir, como acontece quando esses trabalhadores ficam sem condições de ir embora para suas casas. “Nessas propriedades os trabalhadores são forçados a adquirir dívidas para suprir suas necessidades básicas, como alimentação, o próprio deslocamento, passagem. Assim ficam sem poder voltar para suas cidades, para suas casas, em nome de supostas dívidas que nunca acabam, que sempre são agigantadas”, ressaltou.

Para a dirigente, tal recorrência no campo é devido a relações sociais que ainda estão aos moldes do que era o Brasil colônia. Ou seja, um reflexo de uma elite que não consegue conceber e nem aceitar a possibilidade de um outro modelo de organização do campo. Modelo esse em que as pessoas possam viver de forma livre e digna. E “cumprir papéis importantes que historicamente os camponeses cumpriram e cumprem no campo, mas de forma livre, de forma humana e saudável”.

O aumento do emprego do trabalho análogo ao escravo nos últimos anos resulta do projeto de desmonte do governo Bolsonaro. Com apoio da elite e dos ruralistas, a fiscalização foi desmantelada já a partir do primeiro ano de governo. É por isso, como lembra o MST, que a fiscalização do trabalho, a partir do governo Lula, tem reportado o aumento das operações e consequentemente do número de trabalhadores resgatados de condições degradantes, sob domínio de supostos empregadores.

Reforma Agrária Popular e Cooperação Agrícola

Para Diego Moreira, dirigente nacional do Setor de Produção do MST, “é de extrema importância que o Estado brasileiro volte a fortalecer políticas, fortalecer mecanismos de identificar, de resgatar, devolver a dignidade roubada, arrancada desses trabalhadores e trabalhadoras através da exploração do trabalho análogo ao escravo. E possa ter mecanismos de condenação desses e dessas que o exerce”.

“E que essas áreas, onde são resgatados, possam ser destinadas para a União transformá-las em indenização a esses trabalhadores e trabalhadoras, transformando também essas áreas em assentamentos da reforma agrária. Para que essas áreas que foram espaço do trabalho escravo, possam se voltar para a produção de alimentos, para a geração de emprego e dignidade, renda para o povo brasileiro, para os trabalhadores”, enfatizou.

É nessa perspectiva que os dirigentes destacam a atuação do MST, nesses 39 anos, para além do enfrentamento e da denúncia. Mas também na superação desse modelo precarizado e de superexploração da mão de obra no campo.

Para isso, lembraram, o movimento construiu novos paradigmas de relações, nas quais a reforma agrária pode produzir as condições possíveis de existência das famílias camponesas. E por meio dessa produção, estabelecer novas relações de trabalho e com o meio ambiente.

Mais cooperativas e trabalho cooperado

“Nós, enquanto MST, já temos uma larga experiência na implementação das cooperativas de produção, de trabalho, de comercialização, para que, através do trabalho cooperado, nós possamos construir relações sociais de produção dignas tanto entre trabalhadores, quanto com a natureza”, disse Diego.

O MST conta atualmente com 160 cooperativas, 120 agroindústrias e 1.900 associações em todo o Brasil. Esse conjunto potencializa a produção de alimentos saudáveis nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária, construindo relações de trabalho dignas e melhorando a renda das famílias camponesas.

“Contudo, é essencial reforçarmos que o Estado brasileiro tem um papel essencial na garantia de políticas públicas, no fomento a outras formas de produção que não sejam as grandes extensões de terra. Nem as commodities pensando no mercado externo. Mas de fomentar novas formas de organização no campo, na produção de alimentos saudáveis, com a agroecologia como matriz produtiva, para alimentar o povo brasileiro”, disse.

Segundo o movimento, porém, é necessário potencializar a formação de cooperativas e desenvolver o trabalho cooperado. “E que esses trabalhadores, para além de ter dignidade nesse trabalho cooperado, possam ter moradia com a implementação de agrovilas, espaços comunitários onde haja o exercício do lazer, onde se tenha cultura, educação, saúde”, dimensões essas importantes para além do trabalho, conforme Diego.

Colocar no passado a superexploração dos trabalhadores no campo

“Então, a construção da reforma agrária popular existe como forma de garantir através da terra as condições para que as pessoas não só sobrevivam. Mas para que elas possam existir com dignidade, tendo acesso à terra como forma de trabalho, acesso a políticas públicas de moradia digna, de crédito, de estruturação da produção, de ter acesso a políticas públicas de educação, de cultura, enfim, aquilo que é de direito do povo brasileiro”, completou Débora.

Ela disse ainda que é necessária muita organização na cobrança ao Estado brasileiro de tais políticas. “Sem sombra de dúvida é uma contribuição fundamental e essencial. Não apenas para mudar a realidade do campo, mas também para que a gente possa contribuir na superação de problemas estruturais que persistem na nossa sociedade, já que grande parte desses problemas tem raízes justamente na forma como a questão agrária se estruturou e persiste até os dias atuais.”

Para as lideranças, a expectativa é de “virada dessas páginas tristes” por meio da ação do Estado e da sociedade brasileira. “E assim colocar no passado a exploração do trabalho escravo, que mostra essa face triste da burguesia agrária brasileira que nunca abriu mão de explorar mão de obra escravizada”, conforme Diego.