Em São Paulo

Movimentos criticam projeto de lei para ‘limpar’ praça na Cracolândia. ‘Higienismo’

Prefeitura dispara série de operações policiais para dispersar pobres e dependentes de drogas da Praça Princesa Isabel. PL para construção de parque no local vai para segunda votação pelos vereadores

Reprodução
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PL é "justamente a 'cereja do bolo' de todo esse processo de repressão e manicomial que a prefeitura está utilizando para ir 'limpando' o centro da cidade das pessoas em situação de rua", diz covereadora

São Paulo – Movimentos sociais e vereadores da oposição ao governo do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo acusam o caráter higienista do projeto de lei para a construção de um parque na área da praça Princesa Isabel, na região conhecida pejorativamente como Cracolândia. Com acesso previsto por grandes portões e todo cercado por grades o parque é considerado “pano de fundo” e mais uma etapa do processo de expulsão da população pobre da região. A proposta foi aprovada em primeiro turno na terça-feira (7) e deve ir para segunda votação – ainda sem data – antes de ser encaminhado para sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que já se declarou defensor do PL.

Em março, a praça passou a ser um dos locais ocupados pela população em situação de rua e usuários de drogas, depois de ações policiais para acabar com o chamado fluxo – ponto de consumo e comércio de substâncias psicoativas que caracteriza a Cracolândia.

Desde então, o governo Nunes vem investindo em policiais para dispersar a população do entorno. Como parte da operação, a prefeitura chegou inclusive, a destruir o solo de parte da praça para evitar que as pessoas dormissem no local. Em paralelo, o município intensificou a internação compulsória de dependentes químicos como forma de tratamento.

Integrante da Craco Resiste – movimento que atua contra a violência policial na região – Daniel Mello avalia que a medida de cercar a praça é reflexo de como o governo Nunes enxerga a população em situação de vulnerabilidade social.

Higienismo

“A prefeitura tem varrido, literalmente, essa população em situação de vulnerabilidade pela cidade. O próprio hospital Pérola Byington, apesar de ser muito importante ter mais um hospital público, foi usado para expulsar várias famílias que moravam naquele quarteirão. E a prefeitura pretende continuar demolindo os imóveis, expulsando dali pequenos comerciantes e pessoas que moram, e tem a população em situação de rua que foi expulsa e espalhada pela região. O que a gente vê é um desvirtuamento. Usa-se o discurso de uma benfeitoria, primeiro do hospital e depois do parque. Mas eles enxergam as pessoas mais pobres como se elas não fizessem parte da cidade”, critica Mello. 

O projeto de lei é de autoria do vereador Fábio Riva (PSDB). O parlamentar alega que o objetivo do PL é revitalizar a área que fica em frente ao novo hospital Pérola Byington. As bancadas do PT e do Psol votaram contra a proposta na primeira sessão. A covereadora Carolina Iara, da Bancada Feminista do Psol, demonstra que o PL “é higienista de diversas formas”. 

“Ele é higienista com a população em situação de rua que ali vivia anteriormente e que foi expulsa inclusive por conta do estouro da Cracolândia. E essa população será excluída novamente quando cercar a praça. Outra população, que é a população em uso de drogas, – é importante a gente diferenciar essas duas populações – ela também será impedida de acessar a praça, numa lógica higienista, sem ter nenhuma contrapartida. E o que está acontecendo agora são prisões, pela polícia mesmo, com extrema violenta, que eles estão chamando de internação compulsória. Mas que na verdade são prisões na lógica manicomial”, observa a parlamentar. 

Repetindo erros

“Eu acredito que o pano de fundo desse PL, que transforma a praça em parque, é justamente a ‘cereja do bolo’ de todo esse processo de repressão e manicomial que a prefeitura está utilizando para ir de fato ‘limpando’ o centro da cidade das pessoas em situação de rua”, acrescenta.

O texto do PL diz que a obra na Cracolândia será paga pela prefeitura. O projeto de lei ainda passará por uma segunda votação e só depois vai à sanção do prefeito. Daniel Mello, da Craco Resiste, comenta que essa forma de agir contra as pessoas em situação de vulnerabilidade na região é muito parecido com o que foi feito na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab, em 2012. Segundo Mello, faltam ações de políticas sociais, e sobram gastos com medidas higienistas.

Intervenção

“A pessoa que está em situação de rua e faz uso abusivo de drogas precisa de moradia, assistência social, renda e trabalho. Uma série de políticas que acolham essas pessoas e precisam de saúde, porque são pessoas com a saúde fragilizada. E, na verdade, a prefeitura ao invés de dar essas políticas, ela vai removendo essas pessoas com violência, seja a policial como a institucional, destruindo imóveis para justificar novas intervenções que vão expulsar as pessoas novamente e abrir espaço para o uso imobiliário de projetos que também já estão tramitando na Câmara de Vereadores de intervenção urbana no centro”, avalia. 

A covereadora Carolina Iara ressalta, contudo, que medidas desta natureza só serão barradas com a pressão da sociedade. “Não vai ser só a população de rua que será impedida de acessar este parque da (praça) Princesa Isabel. Toda a população miserável e vulnerável também acaba sendo atingida por essa política higienista no centro. Então nós precisamos articular um manifesto, uma tentativa de impedir que esse projeto de lei seja aprovado em segundo turno, para exigir da prefeitura que ela tenha um plano de fato de tratamento, de redução de danos, de busca ativa, com profissionais de saúde e não com a polícia prendendo essas pessoas”, justifica Carolina Iara. 

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