Só piora

Nova operação policial aprofunda abandono e violência na Cracolândia

O chamado “fluxo” se dispersou pelas ruas do centro de São Paulo. Movimentos sociais que atuam na região acusam a prefeitura e o governo de São Paulo de “limpeza social” e denunciam “falta de um projeto efetivo para as pessoas em situação de rua”

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"Mais uma vez temos uma nova ação policial. E as ações sociais? Como venho denunciando há meses, a prefeitura de São Paulo não tem projeto efetivo para as pessoas que vivem na região", contestou vereador Eduardo Suplicy (PT)

São Paulo – Operação das polícias Civil e Militar e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) expulsou, nesta quarta-feira (11), pessoas em situação de rua e usuários de substâncias psicoativas da Praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo. Desde o mês de março, o local briga o chamado “fluxo” – ponto de comércio e consumo de drogas – e vinha sendo chamado de “nova Cracolândia”, no bairro Campos Elíseos, na Luz. 

A operação teve início por volta das 4h da manhã. Segundo a PM, o objetivo era cumprir 36 mandados de prisão e retirar as barracas instaladas na praça. Ao fim da operação, que mobilizou 650 agentes policiais, a corporação informou ter detido 13 pessoas.

Um dos primeiros desdobramentos, contudo, foi a dispersão e o espalhamento da população local pela região central. O “fluxo” foi divido em pequenas aglomerações na Avenida Duque de Caxias, logo em frente à praça. Pertences pessoais foram amontoados junto com lixos e entulhos.

De acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, até o fim da manhã havia também grande concentração de usuários na esquina das ruas Gusmões com a Triunfo, distante três quarteirões da chamada “nova Cracolândia”. Assim como nas ruas Conselheiro Nébias e Glete, a duas quadras da praça. 

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‘Limpeza social’: as repercussões

A ação de hoje corresponde à sexta fase da Operação Caronte. A mesma que, em fevereiro desde ano, policiais foram flagrados apontando armas de fogo contra pessoas em situação de rua sentadas no chão. A atuação já havia repercutido negativamente e levou a Defensoria Pública de São Paulo a cobrar respostas do governador e do prefeito de São Paulo sobre a violência de Estado na região.

A operação também repete a política de dispersão adotada em março, quando houve uma mudança de local da Cracolândia, que saiu da rua Helvétia e alameda Dino Bueno, indo para a praça Princesa Isabel. 

O que também já havia acontecido em 2017, ainda na gestão do então prefeito João Doria (PSDB). Há dois meses, a Polícia Civil afirmava que a troca havia sido feita após “ordem” do crime organizado. Mas relatos de organizações que atuam no território apontam que a especulação imobiliária também foi um dos motivos que levou à transferência do “fluxo”. De modo semelhante foi vista a operação desta quarta na praça, segundo a Craco Resiste, movimento contra a violência policial da região. 

Em nota, o grupo ressaltou “que o que existe na região é uma limpeza social e perseguição a pessoas que precisam de moradia. Mas recebem, em vez disso, cadeia. Nesse processo, o ‘fluxo’ vai sendo empurrado para cima dos bairros vizinhos, destruindo o comércio, expulsando os moradores e abrindo espaço para os lucros da especulação imobiliária”, criticam.

Não há projeto, diz vereador

Reportagem publicada ontem pela Folha de S. Paulo mostrou que a Polícia Civil tinha dados de que, antes da migração, “lagartos” assumiram o comércio varejista de drogas na chamada “Cracolândia”. Lagarto, segundo a corporação, são dependentes químicos que vendem as drogas no lugar dos traficantes para evitar que estes sejam presos. Em troca, recebem pequenas porções da droga para uso próprio.

A Praça Princesa Isabel, ainda segundo dados da própria Polícia Civil, abrigava apenas 30% da população que estava na “antiga Cracolândia”. Ainda ontem, reportagem da RBA mostrou que a maioria dos usuários estavam espalhados por outras partes do Centro, o que vem dificultando o trabalho realizado pelas equipes de assistência social e saúde que atuam na região.

Por outro lado, o espalhamento facilita casos de abuso e violência por parte do Estado. Pelo Twitter, o vereador Eduardo Suplicy (PT) acusou o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador Rodrigo Garcia (PSDB) de agirem de “forma desumana e responsável” contra as pessoas em situação de rua do local. 

“Mais uma vez temos uma nova ação policial no Centro. E as ações sociais? Como venho denunciando há meses, a prefeitura de São Paulo não tem projeto efetivo para as pessoas que vivem na região”, contestou Suplicy.

Pela especulação

A deputada estadual Erica Malunguinho (Psol) também chamou atenção para o “movimento contrário” das ações do poder público e da polícia sobre os usuários e as pessoas que estão em situação de rua na região central. “Em suas brutalidades acabam com o senso de referência de pessoas que fazem da Cracolândia a sua casa, inclusive por meio de deslocamento geográfico de suas matrizes”. 

“Até quando aceitaremos a violência como pressuposto para a mudança? Esse projeto de poder está falido desde sua criação e cabe a nós a reversão desse cenário”, defendeu a parlamentar. 

Por conta da operação de hoje, 18 linhas de ônibus foram desviadas na região central da capital paulista. Ruas do entorno também foram bloqueadas. A GCM deve manter 100 agentes na Praça Princesa Isabel. A medida é para tentar conter a volta do “fluxo” ao local, segundo disse à imprensa o comandante-geral da corporação, Agapito Marques.

A praça também já é alvo de projeto de lei do vereador Fábio Riva (PSDB). O parlamentar quer destinar os 16,6 mil quadrados da área para ser transformado em um parque cercado por grades. Segundo a Folha, o PL foi protocolado na segunda (9).