Mesmo com legislação favorável, Brasil pouco avança em democracia direta

Leis permitem plebiscitos, referendos e leis de iniciativa popular, mas ocorrências são raras

Mobilização para coletar as assinaturas necessárias para a Lei da Ficha Limpa (Foto:Elza Fiuza/Abr)

São Paulo – Entre referendos, plebiscitos e leis de iniciativa popular, o Brasil viveu em sua história apenas sete eventos de alcance nacional em que se empregaram dispositivos de participação popular. Foram quatro leis, dois plebiscitos e um referendo. Assim, apesar de dispor de legislação que permite participação da sociedade, o Brasil carece de representação direta.

Na prática, quem propõe leis é o Legislativo e o Executivo – seja por meio de propostas encaminhadas ao Congresso Nacional, seja por medidas provisórias. Os mecanismos da democracia representativa prevalecem, na hora de ditar as regras no país, sobre canais de participação direta. Apesar de os integrantes do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais serem escolhidos pelo voto, isso é considerado insuficiente.

“A nossa democracia está inacabada, imperfeita”, pontua a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), integrante da comissão e da Frente Parlamentar Mista pela Reforma Política. “Só temos a democracia representativa, praticamente. Podemos dizer que a nossa democracia está em crise por não haver sinais dessa democracia participativa e direta.”

Consultas populares:

Plebiscitos: o povo se posiciona antes do ato legislativo – o que demanda que o Congresso discuta o tema depois de pronunciado o resultado das urnas.

Referendos: a consulta é posterior às decisões legislativas, quer dizer, o resultado da disputa tem valor de decisão definitiva.

Atualmente, para realização de plebiscito ou referendo, é necessária a aprovação por um terço dos deputados ou senadores para que a Justiça Eleitoral determine a data.

Leis de iniciativa popular:

A iniciativa popular é um instrumento previsto na Constituição que permite que um projeto de lei seja apresentado ao Congresso Nacional desde que, entre outras condições, apresente as assinaturas de 1% do eleitorado brasileiro.

Para Luciano Santos, advogado especialista em direito eleitoral e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a aplicação mais frequente de ferramentas que permitem a participação popular, como referendos e plebiscitos, seria muito importante no Brasil. “A democracia é, pelo que diz a própria Constituição, exercida diretamente pelo soberano, o povo. Que pode também ser, ele próprio, representante da lei”, destaca Santos.

A passos lentos

Segundo a cientista política Claudia Feres Faria, em artigo no livro “A Reforma Política no Brasil”, o primeiro plebiscito feito no Brasil, mesmo que ainda não fosse previsto na Constituição vigente à época, foi em 1963, para definir ou não a permanência do sistema parlamentarista, instaurado dois anos antes como solução para a crise provocada pela renúncia do ex-presidente Jânio Quadros. O regime presidencialista venceu.

Mais recententemente, e seguindo o previsto na Constituição Federal de 1988, outro plebiscito foi realizado em setembro de 1993. Consultou-se sobre a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). A escolha pelo modelo republicano com presidente recebeu o maior número de votos.

Em 2005, o primeiro referendo da história do país questionava os brasileiros sobre a proibição da comercialização das armas de fogo e munição. Os eleitores responderam, à época, se aprovavam ou não o Estatuto do Desarmamento. A maioria respondeu “não” à probição da venda de armas.

Para além das consultas à população, as leis de iniciativa popular são bem mais novas na história política brasileira, mas são também pouco comuns. Como não poderia ser diferente, a Lei da Ficha Limpa é o principal exemplo, por ser uma das mais importantes e conhecidas entre as que regem o sistema eleitoral do Brasil. A norma de 2009 estabelece que candidados condenados por tribunais colegiados seriam impedidos de concorrer às eleições mesmo se ainda coubessem recursos em instâncias superiores.

Antes de a Ficha Limpa entrar em vigor, outros três projetos de lei de iniciativa popular haviam sido sancionados. O primeiro do gênero a ser aprovado no Congresso foi o que deu origem à Lei 8.930, de 7 de setembro de 1994, e diz respeito a mudanças nos julgamentos por crime hediondo.

Em 1999, a compra de votos passou a ser considerada crime eleitoral, passível inclusive de cassação de mandatos políticos. A proposta também partiu de iniciativa da população. Seis anos depois, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, que, após 13 anos de tramitação, conseguiu ser aprovada.

O advogado Luciano Santos vê, nas iniciativas populares, a saída para a confecção de propostas que normalmente o Congresso Nacional não atuaria ou “não tem interese em atuar”. Mas ele faz um alerta para que essas propostas sejam vistas como prioridade, pois, para ele, os parlamentares deveriam facilitar a tramitação com maior celeridade.

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