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Em Limeira, menina de 11 anos dá exemplos de cidadania e inclusão

Jovem do interior paulista cria campanhas de doação de livros e brinquedos e vai à Câmara local questionar vereador para garantir 'caráter social' de projeto seu

Giovanni Giocondo / RBA / Jornal

Em sua casa, em Limeira, a pequena e atuante Stella devora livros e projeta seu papel de cidadã: ‘quero ser presidenta’

São Paulo – Stella Padilha Migliano é estudante do 6º ano de uma escola da rede pública estadual de Limeira, distante 143 quilômetros da capital paulista.O rosto infantil e a predileção pelas bonecas podem fazer com que um desavisado pense ser ela apenas mais uma criança de 11 anos. Mas uma conversa e uma olhada nos livros que a menina “devora” em casa revelam alguém que extrapola os lugares-comuns que a sociedade impõe para os da sua idade.

Uma garota simples, ainda ingênua, tímida, mas que chamou a atenção da cidade graças à sua inteligência, perspicácia e atuação junto aos movimentos sociais. Em uma sessão da Câmara Municipal, no dia 24 de setembro passado, a menina questionou publicamente o vereador André Henrique da Silva, o Tigrão (PMDB), que teria desvirtuado uma ação criada por ela, e sem pedir autorização transformou em um projeto de lei de “sua autoria”.

Na polêmica sessão da Câmara, Stella subiu na tribuna e criticou o parlamentar por tirar o “caráter social” da proposta. A notícia teve forte repercussão, mas a forma como o caso foi abordado pela mídia não foi aprovada pela família. “Tentaram jogá-la contra o vereador, e não era esse o objetivo da Stella”, revela a mãe.

O projeto tinha relação com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A menina, que já convivia com os moradores do Assentamento Elizabeth Teixeira, em Limeira, pensou que arrecadar brinquedos e livros usados para doá-los às crianças que vivem no local seria uma boa ideia.

Para isso, em 2013, ela fez uma campanha na sua escola, passando de sala em sala, para apresentar sua ideia. A proposta também era de levar os doadores até o assentamento para brincar e entender aquele mundo. E conseguiu, mesmo com a resistência inicial dos pais dos colegas, que, segundo Lilian, são preconceituosos em relação ao movimento.

“O que eu queria mesmo era levar cultura para o assentamento, além de mostrar que eles são pessoas iguais à gente”, explica a menina. Agora, ela quer o apoio das autoridades para viabilizar a ida de um grupo de hip hop ao assentamento campesino.

A repercussão do episódio foi apenas o estopim para uma tempestade de ideias que vinha explodindo na cabeça da menina há tempos.

Sua caminhada extracurricular começou com o balé, que pratica desde os três anos. Aos nove, a menina descobriu a poesia e passou a fazer parte de um grupo de poetas limeirenses, que recentemente lançou uma coletânea com obras de cada um dos seus membros, incluindo as dela. A garota ainda participa de um coral de crianças. Além disso, ela se aventura pelas artes plásticas, incentivada pela mãe, a historiadora Lilian Molinari, também pintora nas horas vagas.

Sonhos

“Eu quero ser presidenta da República”, diz Stella com convicção. A menina já tem, inclusive, um rascunho de seu “plano de governo”. É um caderno com algumas anotações de leis que pretende propor. Dentre elas, está uma que elimina a existência das classes sociais, e outra que garante moradia digna a todas as pessoas.

É um objetivo forte, intrínseco aos clamores por mudanças que Stella expressa em suas poesias, dança e  atuação na política. Em 2013, a garota ajudou a organizar o “protestinho” das crianças, que aconteceu no Parque da Cidade, na esteira das manifestações que pipocaram pelo país em junho do ano passado.

Enquanto esses desafios maiores ainda não estão no horizonte, a menina caminha a passos largos para mostrar que, acima de tudo, é possível ser consciente e cidadã sem deixar de ser criança. “Tenho amigos normais, com quem converso sobre outras coisas. Para mim, continua sendo uma brincadeira”, comenta. Essa é uma das preocupações dos pais. A mãe diz que não é fácil ter uma “menina adulta” em casa. “Apenas dou tempo ao tempo e tenho de blindar a Stella porque, quanto mais ela se posicionar ‘à esquerda’, mais bordoada ela vai tomar”, ensina Lilian.