Atos pelo Brasil

Manifestações pedem justiça por Moïse em várias cidades neste sábado

Atos são realizados com apoio de movimentos sociais ao clamor da comunidade congolesa. “Somos africanos, gritamos por nossos ancestrais e vamos nos encher deles”

Matheus Alves/Levante Popular da Juventude
Matheus Alves/Levante Popular da Juventude
Na capital fluminense, a manifestação ocorre em frente ao quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, onde Moïse foi espancado até a morte

São Paulo – Na busca por justiça ao jovem Moïse Mugenyi Kabagambe, familiares e a comunidade congolesa no Brasil protestam neste sábado (5) nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo – e em diversas cidades pelo país e no exterior. Os atos serão realizados de forma simultânea, a partir das 10h. Na capital fluminense, a manifestação ocorre em frente ao quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, onde Moïse foi espancado até a morte após cobrar pagamento atrasado pelo trabalho prestado ao estabelecimento, no dia 24 de janeiro. Na capital paulista, o coro por justiça e responsabilização será evocado do vão livre do Masp, na Avenida Paulista. 

Entidades organizadas do Movimento Negro também puxam os atos pela memória do jovem congolês que tinha 24 anos. De acordo com a integrante da Coalizão Negra por Direitos Thuane Nascimento, a Thux, da plataforma PerifaConnection, no Rio de Janeiro, em entrevista à Rádio Brasil Atual, o objetivo é mostrar apoio à família e aos imigrantes e garantir proteção a eles. 

Parentes de Moïse relataram que dois policiais militares tentaram intimidá-los quando foram ao quiosque buscar informações sobre o crime com os funcionários. “A Barra da Tijuca é um lugar cheio de milicianos e poderemos mostrar que a família não está sozinha. (…) Porque a gente sabe que uma das coisas que tem no crime no Rio é que quando uma pessoa negra é assassinada e a família quer cobrar justiça, ela também fica em perigo”, alerta. 

Atos em outras cidades

A Articulação Negra de Pernambuco (Anepe) também promoverá um ato neste sábado em frente ao Shopping Boa Vista, na área central do Recife, a partir das 16h. Ações semelhantes também irão ocorrer de forma simultânea aos atos no Rio e São Paulo em outras capitais. Em Belo Horizonte, a manifestação está prevista para às 10h na Praça Sete. No mesmo horário, um protesto será realizado na Casa Jorge Amado, em Salvador. Em Brasília, o ato ocorrerá no Palácio do Planalto. A praça da Redenção, em Porto Alegre, também será palco do ato por justiça para Moise.

Às 9h, também haverá uma manifestação em Natal, na Cidade Alta. Em Divinópolis, Minas Gerais, o protesto está confirmado para às 10h30. Cidades do interior, litoral e da região metropolitana de São Paulo também participam com atos em São José do Rio Preto, no Júpiter Olímpico Rio Preto; Taubaté, na Praça Santa Terezinha; Santos, na Igreja do Embaré; São José dos Campos, na Praça do Sapo, e Carapicuíba, Calçadão, em frente ao Banco do Brasil. As manifestações começam às 10h. Em Pindamonhangaba, o protesto está sendo convocado para às 9h, em Cascata.

Crime brutal

Desde que o caso veio à tona, por pressão da família de Moïse, diversas manifestações e protestos foram registrados pelo país em repúdio ao crime brutal que chocou a sociedade brasileira. Na madrugada dessa quinta (3), o Levante Popular da Juventude ocupou a frente do quiosque para denunciar o crime. No mesmo dia, em Belo Horizonte, também houve uma mobilização por justiça. 

Moïse trabalhava servindo mesas no quiosque Tropicália, no Posto 8 da praia da Barra. Mas, de acordo com familiares e amigos, ele acabou sendo assassinado, no dia 24 de janeiro, depois de cobrar remuneração atrasada referente a dois dias de trabalho, no valor total de R$ 200. Imagens da câmera de segurança do local mostram que três homens espancaram até a morte o trabalhador por pelo menos 20 minutos com pauladas e um taco de beisebol. O crime ocorreu enquanto o quiosque operava normalmente, com um atendente no balcão. 

Ele foi encontrado pela polícia amarrado e sem vida em uma escada no local. A perícia indicou que Moïse tinha várias “áreas hemorrágicas de contusão” e vestígios de broncoaspiração de sangue. No atestado de óbito foi registrada como causa da morte traumatismo do tórax com contusão pulmonar provocada por ação contundente. A família só foi informada da morte do jovem quase 12 horas após o crime. E, apenas oito dias depois do caso, a Justiça do Rio decretou a prisão temporária de três homens apontados como agressores: Aleson Cristiano Fonseca, Fábio Silva e Brendon Alexander Luz da Silva, conhecido como ‘Tota’. 

Moïse era um trabalhador

Na quarta-feira (2), a Polícia Civil revelou o nome de Carlos Fábio da Silva Muzi, como o dono do Tropicália. Ele negou envolvimento no crime e a dívida com o trabalhador. Em depoimentos, dois dos agressores apontaram o policial militar Alauir Mattos de Faria como o patrão do congolês. Segundo informações do portal UOL, ele é dono do quiosque Biruta, vizinho ao Tropicália, onde Moïse foi morto. A defesa de Muzi, contudo, se contradisse durante as investigações e não souberam explicar a relação do congolês com o quiosque. 

“Vimos quem foi que matou, mas essas pessoas estão na ponta do crime. Queremos saber quem mandou, quem é o patrão, quem não pagou o que já estava errado”, observa Thux. “Moïse não era um bandido, era um trabalhador, e mesmo que fosse, ele não merecia ter o fim que teve. Como a mãe e o irmão dele, naquele vídeo emocionante para uma emissora gritaram. ‘Meu irmão veio aqui para trabalhar, veio atrás de um sonho no país e foi assassinado’. O irmão dele veio aqui para trabalhar e estava trabalhando, contribuindo para a renda desse país”, acrescenta. 

Nascida na República Democrática do Congo e há 14 anos refugiada no Brasil, Prudence Kalambay, que está à frente da organização do ato em São Paulo, destaca que toda a visibilidade ao caso é importante para dar fim à discriminação. “Chega, não queremos mais enterrar ninguém dessa forma”, lamenta à jornalista Marilu Cabañas. 

Força da ancestralidade

Atriz, modelo, youtuber e ativista pelos direitos humanos, Prudence também compõe a Comissão de Migrantes e Combate à Xenofobia do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe). Mas agora ela teme tamanha violência. De acordo com a ativista, o caso de Moïse mostrou para o povo brasileiro “o que os imigrantes africanos passam no país”, da exploração trabalhista a hostilidades. 

“Não viemos para cá porque queremos, mas infelizmente por causa da situação que acontece em nosso país. A gente sai para poder recomeçar. (…) Eu sou mãe de cinco, tenho dois meninos, e já penso como tirar eles daqui. Eu não quero ver um caso como o de Moïse em minha família. É muito triste, estou com o coração partido porque a dor é muito forte. Eu sou uma irmã congolesa. Imagina a dor dessa mãe nesse momento, vendo o vídeo do filho sendo assassinado, espancado porque foi pedir o seu direito. Até o nosso direito está sendo proibido, temos que viver como escravos e isso não é justo”, contesta Prudence.

Ainda assim, no país que diz ser sua segunda casa, a congolesa tenta se agarrar à força de sua ancestralidade e “aos brasileiros que tenham coração”. “Nós somos africanos, nós gritamos por nossos ancestrais, vamos nos encher deles e mostrar o quanto somos africanos. E isso não vai parar, até que a justiça seja feita vamos mostrar o quanto somos africanos”. 

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