Fim de injustiças

Julgamento no Supremo sobre porte de maconha busca ‘impedir desigualdades’

O STF retoma amanhã julgamento sobre lacuna na lei sobre a definição de traficante e usuário. Processo é de 2015

Carlos Alves Moura/STF
Carlos Alves Moura/STF
"O que o Supremo vai decidir não é despenalização nem descriminalização. Vai decidir qual a quantidade que deve ser considerada para tratar como porte ou tráfico"

São Paulo – Às vésperas da retomada do julgamento sobre o artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006), ainda pairam dúvidas no Supremo Tribunal Federal. É possível, inclusive, novo pedido de vista durante a sessão prevista para amanhã. O processo retornará com o voto-vista de André Mendonça. Em agosto do ano passado, ele pediu mais tempo para analisar o Recurso Extraordinário (RE) 635.659. O julgamento começou em 2015.

Na prática, o STF busca regulamentar um dispositivo já previsto que descriminaliza o porte de drogas em pequena quantidade para uso pessoal. Contudo, esta quantia não está definida. Essa lacuna na lei provoca interpretações diversas. Muitas levam em conta apenas a versão dos policiais durante auto de prisão em flagrante. O julgamento em questão fala especialmente sobre a maconha.

Por isso, como está, o mecanismo acaba funcionando como um instrumento de perpetuação de desigualdades. Isso porque a quantia pouco importa. O que vai contar mesmo é o grau de instrução, a cor da pele do réu, a classe social. É o que defende Barroso. Contudo, o ministro, durante as primeiras sessões de discussão sobre o tema, restringiu o julgamento do pleno do Supremo apenas à maconha.

O que é inconsistente diante do processo originário, que buscava regulamentar a quantidade de todas as drogas para diferenciar usuário de traficante. Essa discussão levou o decano da corte, ministro Gilmar Mendes, a cobrar mais esclarecimentos.

Para ele, o efeito deveria ser explícito em relação ao mecanismo legal disposto no artigo em questão. Relator, ele foi o primeiro a votar, ainda em 2015, no sentido de descriminalizar o porte de qualquer tipo de droga para consumo próprio. Depois, revisou sua posição para restringir a medida ao porte de maconha e pela fixação de parâmetros, diferenciando tráfico de consumo próprio.


Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.


Entendimento majoritário da maconha

Mas não foi o consenso. Barroso influenciou o resto do colegiado a restringir a questão apenas à maconha. Até agora, há cinco votos declarando inconstitucional enquadrar como crime unicamente o porte de maconha para uso pessoal e um voto (de Cristiano Zanin) que considera válida a regra da Lei de Drogas. A matéria tem repercussão geral. Ou seja, depois desse julgamento todas as instâncias da Justiça deverão seguir a solução adotada pelo STF quando forem analisar casos semelhantes.

Embora Barroso já tenha afirmado, reiteradamente, sua postura favorável à descriminalização da maconha (bem como em inúmeros países como Estados Unidos, na ampla maioria dos estados, Uruguai, Alemanha, entre outros), ele vem moderando o discurso que flutua entre o liberal e o progressista. Ontem (4), o ministro disse, em evento na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que “não se trata de descriminalizar coisa alguma”.

Guerra fria

A fala serviu para acalmar ânimos no Senado, que trava um embate silencioso contra o Supremo. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vem demonstrando apoio a pautas que ferem o STF, como o de possível mandato para cadeiras na corte e limitação de decisões monocráticas (individuais).

Também está na mesa de Pacheco um projeto que buscava impedir qualquer descriminalização ou legalização de substâncias diversas. Trata-se de uma pauta muito cara a setores ultraconservadores, como bolsonaristas e evangélicos. Então, a postura de Barroso de “esclarecer” o julgamento na pauta de amanhã no STF serve também para amenizar os ânimos.

“O que o Supremo vai decidir não é despenalização nem descriminalização. Vai decidir qual a quantidade que deve ser considerada para tratar como porte ou tráfico. Sem o Supremo ter essa definição, como não está na lei, quem faz é a polícia. O que se verifica é um critério extremamente descriminatório. Depende do bairro se for de classe média alta ou pobre. O Supremo quer uma regra que valha para todos e não seja definida pelo policial. Tem a ver com impedir injustiças”, disse Barroso.

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