SÃO PAULO

Impasse em eleição de ouvidor prejudica controle sobre polícias, avalia Condepe

Conselho diz que demora no processo eleitoral para definir nome do ouvidor de polícia tem “motivação política” do governo de São Paulo

Daniel Guimarães/A2img
Daniel Guimarães/A2img
No último dia 7, o Condepe notificou o governador João Doria (PSDB) por não ter nomeado um novo ouvidor e pede respostas em até 15 dias

São Paulo – As polícias civil e militar do estado de São Paulo estão sem um ouvidor legítimo, após impasse na eleição, motivado por um erro de digitação que alterou a lista tríplice para a escolha do novo nome para o cargo. O atual titular da Ouvidoria, Elizeu Soares Lopes, permanecerá na cadeira até o processo ser finalizado, por determinação do governo estadual, mesmo o mandato tendo terminado oficialmente no último dia 6.

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), vinculado à Secretaria da Justiça e Cidadania, afirma que a lista tríplice para a escolha do novo ouvidor, publicada em novembro de 2021, foi alterada devido a um erro de técnico. Elizeu não ficou entre os três mais votados, mas a publicação no Diário Oficial continha erro no total de votos recebidos pelo atual ouvidor, que foi beneficiado. A secretaria, no entanto, ainda não publicou uma errata, como solicitado pelo Condepe, e por isso o processo eleitoral está travado.

Segundo o presidente do Condepe, Dimitri Sales, o impasse sobre a escolha do novo ouvidor possui um impacto negativo no controle das ações policiais em São Paulo. “Você acredita que algum policial vai prestar depoimento a um ouvidor sem legitimidade no cargo? O primeiro impacto é desmerecer a própria ouvidoria. A permanência do ouvidor desmerece o órgão. Isso interessa a quem não quer uma ouvidoria atuante, quem se incomoda que os maus feitos de policiais possam ser punidos. Ou seja, incomoda o governo que se baseou no discurso fascista de apoiar a violência policial”, critica.

No último dia 7, o Condepe notificou o governador João Doria (PSDB) por não ter nomeado um novo ouvidor e pede respostas em até 15 dias, sob pena de responsabilidade por improbidade administrativa. Para o deputado estadual Emidio de Souza (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a situação é inaceitável. “A secretaria de Justiça está propositadamente adiando a decisão e o prejuízo é evidente. A ouvidoria tem um papel extraordinário na investigação das condutas policiais e presta um serviço importante. Então, ao deixar a ouvidoria acéfala, o governador João Doria atrapalha um serviço essencial para a cidadania”, afirmou.

Eleição do Ouvidor

Em 11 de novembro, a lista com os nomes dos candidatos ao cargo e quantidade de votos recebidos por cada um foi publicada. O atual ouvidor Elizeu Soares recebeu apenas quatro votos e ficou de fora da lista. Foram escolhidos: Renato Simões, com nove votos; Alderon Pereira da Costa e Claudio Aparecido da Silva, ambos com oito cada. Segundo o Condepe, a publicação do Diário Oficial colocou errado os votos do ouvidor Elizeu, com um total de oito, em vez de quatro.

Desde então, a Secretaria da Justiça e Cidadania não publicou a errata e a eleição segue paralisada. “A nossa interpretação é que esse atraso tem motivação política. O secretário poderia ter publicado uma errata e retomar o processo. O argumento da secretaria é de que está aguardando o posicionamento da procuradoria-geral do estado. A impressão que tenho é que estão postergando a errata, que seria um processo apenas administrativo, sem violação alguma”, disse Sales.

Em nota enviada à revista CartaCapital, a Secretaria da Justiça e Cidadania informou que o processo segue ’em instrução, visando comprovar a higidez e lisura do pleito, em razão da necessidade de diversas retificações e considerando a representação feita pelo deputado estadual Coronel Telhada, que apontou itens que ainda carecem esclarecimentos’. A pasta ainda acrescentou que a permanência do ouvidor Elizeu Soares encontra respaldo legal.

Pressão pela extinção

Além da falta de ações da Secretaria da Justiça, o processo eleitoral da Ouvidoria também sofre com a pressão de parlamentares da ala da extrema direita da Assembleia. O próprio Elizeu e os deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Douglas Garcia (PTB) já apresentaram recursos pedindo a impugnação do pleito, que ainda não foram julgados. Os deputados são co-autores de projeto de lei que extingue a Ouvidoria das Polícias.

O presidente do Condepe afirma que a ouvidoria é alvo dos parlamentares por incomodar a base eleitoral deles. “A polícia de São Paulo é a que mais mata no Brasil e esses deputados foram eleitos com policiais em sua base. Portanto, para eles, é importante defender o trabalho dos maus policias, fingindo defender a corporação. A ouvidoria escancara que há policiais que descumprem a lei e, ao invés de fortalecer esse trabalho, legitimam a violência policial. Não é à toa que a representação contra a eleição parte de dois deputados que fazem parte da bancada da bala.”

Embora o projeto para extinção da Ouvidoria exista, o deputado Emidio de Souza diz que não há possibilidade de avançar. “Essa busca de extinguir a ouvidoria, por parte de um deputado da extrema direita da Alesp, não vai prosperar. É um projeto que vai no sentido contrário do que as pessoas esperam. O aparato policial precisa de controle social e a ouvidoria é a consciência da sociedade fiscalizando os agentes de segurança”, afirmou.

Para pressionar o governo, movimentos sociais, entidades, lideranças sociais e juristas irão realizar dois atos. Um deles virtual, às 19h desta terça (15), e outro na próxima quinta (17), em frente ao prédio da Secretaria da Justiça, no centro da capital paulista.