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Haddad quer empresa municipal de transporte para deixar de ser ‘refém’ de concessionárias

Na segunda parte da entrevista à RBA e à TVT, prefeito de São Paulo afirma que decisão será tomada após renegociação da dívida com a União. Na saúde, afirma que vai garantir maior controle sobre OSSs

JAILTON GARCIA/RBA

Haddad: Não tem nenhum problema com parceria, desde que seja transparente, com controle social e governança

São Paulo – O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), defende que a administração deve perseguir a transparência, o controle social e governança nos serviços essenciais prestados à população. Ele acredita que a convivência entre modelos públicos e privados nas áreas centrais pode ser mais interessante para a cidade, pois ao mesmo tempo em que não fecha as portas para as concessões, permite a comparação de resultados.

“Por que excluir possibilidades? Acho que temos de conviver com esses modelos e acompanhar para ver a efetividade, custos e qualidade para a população”, diz o prefeito, em entrevista exclusiva concedida aos repórteres Rodrigo Gomes, Gisele Brito e João Peres, da RBA, e Márcia Telles, da TVT.

Ele avalia que a distribuição desordenada das Organizações Sociais de Saúde (OSS) privou o poder público da capacidade de analisar resultados e fiscalizar parcerias com rigor. Depois da revisão dos contratos, que possibilita uma economia anual estimada em R$ 500 milhões, o prefeito pretende agora reorganizar as OSS para melhorar a fiscalização.

Nos transportes, a instalação de uma empresa pública continua em pauta, com o objetivo de oferecer parâmetros aos serviços prestados pelas empresas particulares. Dependerá da aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei 99, de 2013, crucial para um prefeito com o caixa engessado. Haddad tem esperança de que a renegociação da dívida de estados e municípios com a União libere caixa para a prefeitura, que tem compromissos estimados em R$ 80 bilhões, o dobro do orçamento anual.

O prefeito não endossa a afirmação de que o sistema seja “cartelizado”, feita pelo secretário de Transportes, Jilmar Tatto, no ano passado – o próprio Tatto, passado o calor das manifestações de junho, voltou atrás na declaração. Para Haddad, a dificuldade é encontrar empresas que tenham condições de prestar o serviço na cidade, o que atrapalha a renovação projetada para ocorrer logo após uma auditoria internacional incumbida de fazer um diagnóstico para o sistema.

Nesta segunda parte da entrevista, Haddad comentou ainda problemas de moradia da capital, uma das principais questões para sua gestão, que tem a promessa de construir 55 mil unidades até 2016.

O senhor disse ainda na campanha eleitoral que iria revisar os contratos das Organizações Sociais de Saúde e rever a forma de atuação e fiscalização delas. Como anda este processo?

O que eu disse na campanha digo agora. Não há nenhuma dificuldade com as OSS. Eu fui, como ministro da Educação, a pessoa que promoveu a maior parceira público-privada da história do Brasil, que foi o ProUni. Um milhão e meio de alunos beneficiados de escola pública. Então, não tem nenhum problema com a PPP. Desde que seja transparente, com controle social, que não tenha problemas de governança.

Nós vamos promover, a partir deste ano, a territorialização da atuação da OSS. Imagine que hoje há subprefeituras onde atuam cinco organizações diferentes. Perde-se até as referências. Quem está atuando corretamente, quem está fazendo um bom trabalho, quem não está, qual o custo da atuação naquela área por habitante.

Então, a partir de agora vai atuar uma OSS por subprefeitura. Para que a gente tenha referências. Porque, caso contrário, fica muito difícil governar, ter acesso aos dados. Nós estamos reorganizando nossa ação com as organizações. E tem algumas muito boas, que são parceiros muito bem-vindos para a cidade.

O senhor abriu concurso recentemente para a saúde. A prefeitura poderia passar a fornecer os funcionários para as OSS?

Não, fornecer não. As organizações têm quadros próprios. Mas eu não oponho OSS a administração pública. Talvez seja bom que convivam, inclusive para a gente verificar, em termos comparativos, qual é aquele que produz melhores resultados.

Da mesma forma que o ProUni convive com o Sisu, que são duas portas de entrada para o ensino superior. Tem gente que pega a nota do Enem e vai estudar na Universidade Federal da Bahia. Outros vão estudar ali do lado. E tudo bem. Por que excluir possibilidades? Eu não tenho essa visão. Acho que temos de conviver com esse modelos e acompanhar para ver efetividade, custos e qualidade para a população.

Nós inovamos muito na questão da saúde, com o Hora Certa. Pela primeira vez na história estamos derrubando a fila de espera no SUS. Isso nunca aconteceu em São Paulo. A fila só aumentava. Será que é o modelo? Nós encontramos uma forma de começar a dar respostas. Não é que esteja ideal. Mas caiu 15% a fila para agendamento.

Haddad

Nessa convivência público-privado ainda existe possibilidade de constituir uma empresa pública de transportes?

Eu gostaria de ter. Infelizmente depende um pouco da votação da dívida do município no Senado. Porque se eu não tiver espaço de endividamento eu não tenho como adquirir ônibus próprios para o município. Eu estou amarrado a uma decisão que está na mão do Senado. Se revisar a dívida eu tenho fôlego para ter uma empresa municipal de transporte.

Qual seria a vantagem para a população dessa empresa municipal de transporte público em São Paulo?

Seria a municipalidade não ficar refém do setor privado. Hoje, qual é o grau de liberdade que a prefeitura tem? Você não tem nem outras empresas para contratar, você tem uma situação dada muito difícil de sair. Teria mais grau de liberdade você ter uma empresa pública, com uma unidade/custo, transparente, com dados abertos. Daí eu tenho condição de saber exatamente qual é tarifa justa do ponto de vista da remuneração do empresário. Ganharia muito em transparência, em primeiro lugar, e muito em liberdade para negociar melhores condições para cidade.

E qual a perspectiva de alterações nas planilhas de custo do transporte?

Olha, nós abrimos todas as planilhas, mas elas são muito difíceis de serem lidas. O que nós fizemos foi contratar uma auditoria internacional para facilitar a vida do cidadão.

Ainda está travada a nova licitação dos transportes?

Não, não está mais. Estamos assinando o contrato, este ano nós vamos fazer uma grande auditoria no sistema.

Então, vai ficar para 2015 o novo edital do transporte?

Depende da velocidade dessa auditoria. Eles devem ter boa experiência em planilhar esses custos. Se tiverem acesso a tudo, eu acho que eles podem nos dar uma resposta rápida, em alguns meses. Eu não sentei com a empresa ainda, até porque o contrato ainda não está assinado. Vamos estabelecer um calendário. Mas assim que eles nos abrirem os números, nós podemos licitar com segurança, e estaremos fazendo o melhor para a cidade.

E a questão dos corredores, as pessoas que estão acostumadas ao transporte individual devem pensar em também priorizar o transporte coletivo?

O papel do poder público é garantir o mínimo de qualidade do transporte público, para dar alternativa para as pessoas. Mas, ao contrário do que as pessoas pensam, os veículos particulares de São Paulo ainda andam em uma velocidade maior do que a maioria das cidades do mundo. Por exemplo, Nova York. Apesar do metrô de Nova York ser cinco vezes o de São Paulo, os carros de lá andam em uma velocidade menor do que aqui. Para você ver como o tema é complexo.

Em 2012, o trânsito aumentou mais do que em 2013, sem nenhuma faixa exclusiva de ônibus. Ano passado nós fizemos 300 quilômetros de faixas e não aumentou tanto. Tem muita mitologia em torno dessa questão. O senso comum às vezes não capta o que de fato acontece com a questão da mobilidade.

O trânsito em Londres obrigou o prefeito a instalar pedágio urbano para entrar no centro da cidade. E é um dos maiores metrôs do mundo. Não é essa história que dizem, “se tivesse transporte publico eu largava o carro em casa”. Não é verdade. As pessoas não largam o carro nem em Londres. Se não, não teria pedágio urbano lá, concorda?

Na época das manifestações o secretário de Transportes, Jilmar Tatto, falou de uma situação de cartelização…

Eu não chamaria assim, porque aí já é uma acusação. Eu chamaria de oligopolizado. São poucos fornecedores que teriam condições de atender São Paulo. Imagina, você tem de ter 15 mil ônibus. Qual é a empresa brasileira que poderia ter disponível uma frota para entrar em São Paulo? Porque a empresa teria que ter disponível, não poderia ser para daqui a dois anos. Esse é o problema, na minha opinião, do setor: a barreira na entrada. Tem uma barreira à entrada de novos players. E daí como é que você faz? Você fica na mão dos velhos players. Dos velhos fornecedores.

Uma nova licitação pode mudar esse quadro, aumentar esse número?

Dependendo de como ela for feita pode. Por isso que é importante a auditoria. Ela pode mudar o caminho e o sistema, ficar um pouco mais livre.

Falando em gestão da cidade, qual será a capacidade do Conselho Participativo de influir no orçamento?

São lideranças locais que melhoram… isso ajuda na comunicação. São pessoas que serão informadas, que vão receber relatórios sobre a situação financeira da cidade, sobre as metas que a cidade tem, as dificuldades de alcançá-las. E isso melhora a comunicação. E é uma via de mão dupla. Vão poder apontar falhas da administração, equívocos, porque têm uma base.

Os mais votados são os que moram nas regiões periféricas, então têm um conhecimento da região que vai agregar, do subprefeito até aqui. Pretendo me reunir com eles com alguma frequência.

haddad2Eles vão definir diretamente alguma porcentagem do orçamento municipal?

Acho que a participação no planejamento é mais factível e mais inteligente do que a participação no orçamento anual. O orçamento é uma peça um pouco frágil perto do planejamento plurianual (PPA). O PPA dá mais condição de uma participação eficaz do que uma peça anual, sujeita a muita turbulência. Veja nosso orçamento do ano passado. Era um. Em função da tarifa de ônibus, comprometeu um bilhão a mais. Nós tivemos de tirar de outras áreas para colocar na tarifa. Como faz isso? Com participação, ficaria como? Você ficaria numa situação muito delicada por uma contingência.

O senhor criticou os “novos” movimentos de moradia, que têm cobrado bastante a prefeitura, em virtude da forma de atuação. Mas os movimentos “mais antigos” também têm se posicionado criticamente à prefeitura, ameaçando realizar ocupações. Como o senhor analisa essa conjuntura?

Estamos falando de um pessoal sofrido que está esperando moradia há muito tempo. E pelos quais eu tenho o maior respeito, independentemente de estarem próximos ou não. É uma demanda histórica. Agora, eles sabem que nós não tínhamos propriamente um plano habitacional. Estamos construindo um plano desse tipo para a cidade de São Paulo. Eu me reúno com empresários do setor e com movimentos de moradia quase todo mês para alinhar ideias.

Estou há um ano me aproximando do governo do estado para efetivar o Casa Paulista aqui na capital, com o apoio federal do Minha Casa, Minha Vida. Isso você não faz do dia para a noite. Eu tenho segurança de que São Paulo vai viver um momento áureo de construção de moradia. Vamos produzir muito.

Mas é uma construção institucional. Não é só dinheiro. Tem o processo de desapropriação que demora. E às vezes a ocupação, que eles pensam que ajuda, atrapalha, porque emperra. Nem sempre é a melhor maneira de reivindicar, porque às vezes a área é imprópria para construção. Pode ser um manancial, por exemplo.

Eu acho que nós estamos vencendo as resistências e ganhando confiança, inclusive daqueles que estavam mais resistentes ao diálogo.

Há críticas também sobre o modelo de desapropriação, com pagamento de valor de mercado. Há outros mecanismos que a prefeitura pretende utilizar para baratear as ações?

Infelizmente, essa é a circunstância no Brasil inteiro. Eu reconheço que que temos uma legislação muito desfavorável ao poder público. Sobretudo em São Paulo, toda orientação da jurisprudência é em favor do proprietário. As garantias que são dadas hoje ao proprietário fundiário são tão grandes que o poder público fica numa situação frágil. Mesmo a lei federal não é cumprida. Os prazos não são observados, e por aí vai.