Controle cidadão

Governo manda redes retirarem conteúdos com apologia a violência. “Há efeitos devastadores’, diz jurista

Justiça prevê sanções para redes sociais que rejeitem trabalhar para mitigar cultura do ódio e violência. “Danos possíveis da forma as empresas administram as redes vão além das questões individuais”

Pixabay/CreativeCommons
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"Existem efeitos, muitas vezes, devastadores. Não que o avanço da ultradireita se dê exclusivamente pelas plataformas. Mas temos que admitir que se apropriaram"

São Paulo – O Ministério da Justiça e da Segurança Pública publicou nesta quarta-feira (12) portaria que obriga redes sociais a retirar das plataformas conteúdos com apologia à violência. O texto entrou na edição desta quinta (13) do Diário Oficial da União. A ideia é combater a disseminação de conteúdos danosos. As redes são locais férteis para a divulgação de discurso de ódio que impactam, inclusive, no aumento da violência nas escolas. A ação do ministério faz parte de uma série de iniciativas do chefe da pasta, Flávio Dino, em busca do que ele chama de pacificação social.

A portaria prevê que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) instaure processos administrativos para apurar a responsabilidade das redes sociais. A decisão veio um dia após reunião de Dino com representantes das plataformas. Na ocasião, o ministro encontrou resistência, em especial do Twitter. A rede rejeitou excluir perfis de usuários que, abertamente, faziam apologia à violência em escolas. “As sanções para o não cumprimento das obrigações previstas nesta portaria se darão no âmbito de procedimento administrativo ou judicial”, afirma.

Ações necessárias

A advogada especialista em direito digital e do consumidor Flávia Lefèvre considera positiva as ações para chamar à responsabilidade as empresas. Em especial, o protagonismo da Senacom, dirigida pelo advogado, ex-presidente da OAB-RJ e ex-deputado Wadih Damous. “Vejo com bons olhos. Defendo há muito tempo que a relação que mantemos com as plataformas é uma relação de consumo. Infelizmente, muita gente toma o Código de Defesa do Consumidor (CDC) como lei menor. Mas ela interfere na exploração da atividade econômica”, explicou, em entrevista ao programa Bom para Todos, da TVT.

Riscos sistêmicos

“A obrigação de fornecer um serviço seguro é inequívoca no CDC. Isso sempre foi negligenciado nas práticas comerciais destas plataformas. São mais de 2 bilhões de usuários em algumas plataformas, milhões no Brasil. Me ressentia de uma atuação mais firme e mais presente da Senacom sobre isso”, completa. De acordo com a portaria, as redes deverão tomar medidas para mitigar “riscos sistêmicos”. Isso inclui, por exemplo, a moderação de conteúdos, o aprimoramento de termos de uso e, até mesmo, a composição dos algorítmos.

Os algoritmos das redes sociais são programados para fazer com que o usuário fique o máximo de tempo possível conectado. Para isso, bombardeia com conteúdos considerados relevantes para cada indivíduo.

Contudo, não existe uma curadoria humana neste aspecto. Logo, este sistema pode privilegiar, de acordo com cada usuário, a disseminação massiva de conteúdos violentos, sem qualquer critério. Então, é sobre isso que versa a nova portaria; sobre o combate a estes sistemas que alimentam a sociedade de conteúdos impróprios.

Redes sociais na mira

A postura proativa do governo federal em mitigar os malefícios das redes sociais está de acordo com as práticas das democracias mais avançadas. O mundo corre para regular plataformas e tecnologias. “Essas redes têm um poder de controle, um poder de mercado inédito. Não conheço empresa que tenha isso, para além de algumas como Meta (Facebook, WhatsApp e Instagram), Aphabet (Google e YouTube), chamadas de big techs, que atuam como oligopólios transnacionais. Agora, as democracias têm se preocupado com o impacto destas empresas”, comenta Flávia.

Os danos possíveis da forma como estas empresas administram estas redes sociais alcança patamares para além das questões individuais, explica a advogada. “Também difusos e coletivos, além dos políticos. Comprometendo instituições democráticas dos países, algo que já vimos em vários países, como no Brasil. Isso ficou muito claro desde as eleições de 2018. Então, temos essa discussão nos Estados Unidos, tem uma regulamentação progressiva dos algorítmos na União Europeia. Existe uma lei alemã de 2017 sobre moderação de conteúdos. Temos no Reino Unido, na França, definições sobre esses aspectos”, disse.

Trata-se de um problema comum em todo o globo. Entre os pontos centrais, como citou a especialista, está a escalada de grupos políticos com intenção de sabotagem à democracia. Flávia credita, em partes, o crescimento da cultura do ódio, particularmente relacionado com a ascensão da extrema direita política, com as redes sociais. “Existem efeitos, muitas vezes, devastadores. Não que o avanço da ultradireita se dê exclusivamente pelas plataformas. Mas temos que admitir que se apropriaram desse funcionamento, muito mais do que as forças de esquerda. Isso vem causando problemas no mundo todo. No Brasil, particularmente”, analisou.

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