Tiros nos pés

Para especialistas, discursos de ódio levam a fracasso de políticas de segurança pública

Especialistas na área de criminologia observam que “sucesso” de discursos da extrema direita leva ao fracasso da prevenção ao crime e da violência

Marcelo Camargo/ABr
Marcelo Camargo/ABr

São Paulo – “O fracasso das nossas políticas de segurança pública nos levaram à política do ódio a que assistimos no atual governo“, aponta o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEVIS/UnB), Arthur Trindade Maranhão Costa. O pesquisador, que dirige o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB), participou nesta quarta-feira (11) de debate da série Projeto para um Brasil Novo, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A discussão foi coordenada pelo professor Renato Sergio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. E foi apresentada pelo presidente da SBPC, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro. “Precisamos definir de que maneiras o Brasil pode ser melhorado. Estamos vivendo anos críticos, onde muita coisa conquistada foi perdida. Precisamos, mais do que recuperar, recuperar melhor, com o aprendizado que tivemos”, disse Janine Ribeiro.

Segurança pública e ciência

O objetivo do encontro foi debater a segurança pública sob uma ótica científica, longe dos clichês que inundam noticiários policiais e abastecem discursos de extrema direita. Trata-se de fugir do conteúdo sensacionalista e buscar soluções para evitar a violência que provoca a perda de vidas, em especial da população mais vulnerável. “As evidências mostram que as sociedades que aliam democracia com índices baixos de violência são aquelas que não pensam a violência apenas como atividade policial, mas é um debate bem mais amplo que envolve diferentes atores”, disse Sergio de Lima.

Para a professora Flavia Medeiros Santos, do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Brasil precisa quebrar com uma tradição fracassada de punitivismo ineficiente. “O diálogo com a sociedade e movimentos sociais para discutir segurança pública se faz fundamental. É preciso descentralizar as tomadas de decisão, fomentar estruturas e agentes locais, Fabricar e executar projetos para fortalecimento da autonomia dos territórios atingidos por uma política de segurança pública ineficaz, violenta e repressiva”.

A professora argumenta que aspectos estruturais, como o racismo, são força motriz de parte da violência e que o Estado é parte desse sistema. “É importante, também, que um Brasil novo e democrático elucide quem mandou matar Marielle Franco. Fazer lembrar, para deixar de lado uma política de memória do esquecimento”.

Orçamento da repressão

Flavia Medeiros critica o orçamento público da segurança voltado a repressão e contrapõe essa prática à falta de atenção a fatores que desmotivem o crime, como acesso a educação, cultura, saúde e trabalho. A doutrina criminológica, há tempos, ainda no entre-guerras mundiais, entende que quanto maior o “controle informal” – a ação do Estado nessas áreas –, menor será a exigência da atividade do “controle formal – a repressão.

“Um ponto de destaque diz respeito ao desfinanciamento das forças militares e policiais e das instituições judiciais. A prevenção passa por investir nos orçamentos de saúde, educação, habitação, urbanismo, assistência social e cultura. Essa é uma demanda dos movimentos sociais de base nas favelas do país”, argumenta a professora.

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) José Vicente Tavares dos Santos defende a ideia de um controle social não violento, multicultural, que envolva a participação democrática. “Temos programas de emprego, renda mínima, programas estruturais para instruir jovens, bolsas de estudo, quando eficazes, surgiram quadros ativos de lideranças políticas. Então, a questão da paz é uma questão política, envolve o papel ativo das lideranças políticas.”

Cultura de paz

José Vicente reforçou a fala de Flavia sobre a necessidade de uma política voltada à cultura de paz. “Em relação à Justiça criminal, temos um problema grave com a Lei de Drogas de 2006, que não especificou quantidades para uso e tráfico. Quase 40% dos presos provisórios no Brasil derivam desta lei. É preciso aumentar a mediação de conflitos, a justiça restaurativa e alternativas penais de não restrição de liberdade. É preciso difundir uma cultura da paz.”

A professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jacqueline Muniz chamou de “cloroquinagem” e “fake science” o modo como a política de extrema direita vê o problema da violência. “Para estes, a insegurança que vivemos hoje é um projeto de poder autoritário que tem dado certo. É a rentabilidade da produção da insegurança. Foi virando, pela repetição, uma espécie de verdade. Precisamos romper com discursos que estão nas bocas desse tipo de candidatos.”

Ela defendeu uma ação assertiva e pragmática da política em torno da segurança pública. “Uma segurança pública é política. Precisa repoliizar. Você elege meia duzia de suportes tecnicos que sabotam a legitimidade e a representação. Chantageiam e algemam governantes em seus gabinetes (…) Morte, enterro, da voto. Seja de policial morto, seja na periferia. A matança tem elevado a visibilidade eleitoral. Se você espera de um lider que vá chorar com você, ele não governa. As pessoas seguem morrendo. É um assistencialismo barato, esvaziamento que naturaliza o matar tem mérito e morrer tem merecimento no Brasil”, disse.

Assista à íntegra do debate da SPBC