Racismo letal

Solução para a segurança não está em mais polícia, afirma Lula

Ex-presidente disse a jornalistas que participará de reunião com governadores progressistas e vítimas da violência policial para elaborar propostas a essa área. Assassinato do jovem negro Jonatan Ribeiro de Almeida, no Jacarezinho, foi lembrado durante coletiva nesta terça

Tomaz Silva/EBC
Tomaz Silva/EBC
"É preciso a gente evitar que as coisas aconteçam das formas abruptas como elas acontecem. E aí eu acho que uma coisa que precisamos discutir é qual é o papel do Estado”, defendeu Lula

São Paulo – Durante entrevista a veículos da mídia independente e youtubers, na manhã desta terça-feira (26), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse não acreditar que a solução para os históricos problemas da segurança pública brasileira esteja na contratação de mais policiais. Para o ex-presidente, parte da letalidade policial, que acomete aqueles que moram nas periferias do país, ocorre “em razão da ausência do Estado no cumprimento de suas obrigações”.

“Se o Estado estivesse cumprindo com suas obrigações na área da educação, saúde, lazer, no tratamento de esgoto e saneamento básico, na cultura; se o Estado estivesse presente todo santo dia, a polícia estaria como uma componente a mais do Estado. Porque a polícia também só vai quando é chamada para matar. O policial quando sai da casa dele e vai para a rua, ele já vai sabendo que tem um cara armado esperando ele e que ele precisa ser mais rápido que o cara. É preciso a gente evitar que as coisas aconteçam das formas abruptas como elas acontecem. E aí eu acho que uma coisa que precisamos discutir é qual é o papel do Estado”, afirmou. 

Lula havia sido questionado sobre a violência policial histórica nas periferias brasileiras, inclusive ao longo dos governos do PT. A gestão do petista é particularmente lembrada por especialistas da área em razão do encarceramento em massa em sua maioria de jovens negros, diretamente relacionado à aprovação da Lei de Drogas, em 2006. À época, 401.236 pessoas estavam na cadeia e o Brasil era o quarto país que mais prendia. Hoje o número mais que dobrou e o Brasil é a terceira nação que mais encarcera, com 820.689 presos, até junho de 2021, segundo levantamento de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). 

Letalidade histórica

A comunicadora popular Laura Sabino, estudante de História, youtuber e digital influencer, que levantou a questão, disse que essa era uma das perguntas recorrentes de seu público, fundamentalmente jovem. Ela lembrou o assassinato recente de um colega, vítima da violência policial em um bairro da periferia de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte. Ela denunciou a ocorrência, durante uma live, como mais uma consequência da “política de morte” do governo de Jair Bolsonaro. 

No ano passado, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, de fato, as forças policiais nunca mataram tanto desde 2013: foram 6.416 vítimas, das quais 79% negras.

O ex-presidente reconheceu, contudo, que o tema da violência policial é emergencial. Segundo ele, essa é uma questão que também o inquieta. “Porque tenho 76 anos e ouço esse problema da segurança desde os 10 anos”, lembrou o petista. Mais bem colocado na pesquisa para a Presidência da República, o pré-candidato antecipou que fará uma reunião com governadores progressistas e movimentos de vítimas da violência policial para a elaboração de propostas para a área. 

Propostas de Lula na segurança

De acordo com ele, a ideia do encontro, que será organizado pela Fundação Perseu Abramo, é estudar experiências bem sucedidas. “O que tem sucesso na televisão é o cara que tem aquele programa falando que ‘tem que matar mesmo’, que ‘bandido bom é bandido morto’. Isso é 24 horas por dia. Você levanta de manhã e dorme de noite ouvindo isso. E ninguém diz o que tem que fazer. O governador quando prende o bandido corre para tirar uma fotografia bonita, mas quando (a polícia) mata 40, 60, ele desaparece”. 

“Vamos discutir uma proposta de segurança que possa resolver não definitivamente, porque só vai resolver definitivamente quando as pessoas estiverem vivendo uma vida digna, decente e morando adequadamente. Enquanto elas estiverem sendo tratadas como objetos, a violência ainda vai continuar no nosso país”, propôs Lula.

O ex-presidente também anunciou investimentos em escolas de tempo integral que garantam acessos de crianças e adolescentes a todo tipo de conhecimento. “Não vamos ter ele na rua à disposição do narcotráfico e nem à mercê da polícia”, justificou. 

Durante a entrevista coletiva, a jornalista Talita Galli, do grupo de comunicação formado pela TVT, a Rede Brasil Atual (RBA) e a Rádio Brasil Atual, também lembrou a morte de Jonatan Ribeiro de Almeida, de 18 anos, na favela do Jacarezinho, na noite de ontem (25). A família do jovem negro acusa a polícia de ser responsável pelo crime. Segundo informações do portal UOL, um cabo do Batalhão de Choque da Polícia Militar assumiu que atirou contra Jonatan sem que houvesse troca de tiros.

Racismo e suas vítimas

Talita reforçou que esses não são casos isolados. Atualmente o Jacarezinho está ocupado pela Operação Cidade Integrada, do governo de Cláudio Castro (PL). O mesmo local já havia entrado para a história do Rio pela chacina mais letal, com 28 óbitos, que está prestes a completar um ano.

Lula apontou a relação da violência policial com o racismo institucional. E prometeu que retomará políticas de combate ao racismo e de promoção de igualdade racial que lamentou terem sido destruídas por Bolsonaro.  

“Tivemos muitos avanços no combate ao racismo, mas estamos muito longe de vencer. São 350 anos de história, 350 anos de algo que está incrustado na cabeça de uma parte da elite econômica e da elite brasileira. (…) Está muito difícil, mas houve avanços, fui essa semana em Heliópolis e ali você vê o que é avanço de organização da sociedade. Temos que fazer isso. A gente não muda isso se não tiver muito investimento na educação. É a formação cultural que vai mudar a cabeça do nosso povo, eu acredito nisso. E por isso acredito que vamos conquistar o direito de sermos tratados definitivamente em igualdade de condições sem racismo, sem preconceito, sem ódio e raiva nenhuma”, concluiu Lula. 


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