sem saída

Em depoimento, vice-presidente do Condepe confirma ter recebido mesada do PCC

Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana afastou o conselheiro na tarde de hoje. Luiz Carlos Santos afirmou que tentou romper com o esquema, mas que se sentiu ameaçado

Lucas Duarte de Souza/RBA

Depois de Santos recusar o esquema, um motoqueiro teria o intimidado mostrando fotos de seus filhos

São Paulo – O vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Humana (Condepe), Luiz Carlos dos Santos, confirmou ontem (24), em depoimento à Polícia Civil de São Paulo que foi financiado mensalmente pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para plantar denúncias de maus tratos em presídios do estado de São Paulo. Ele afirmou que tentou romper com o esquema um mês depois de receber o primeiro pagamento, mas que se sentiu ameaçado. Os conselheiros realizaram reunião extraordinária na tarde de hoje e o afastaram da entidade.

Segundo o depoimento de Santos, publicado pelo coletivo de jornalismo Ponte, Santos recebeu valores equivalentes a R$ 2 mil, R$ 4 mil, R$ 5 mil e R$ 8 mil do PCC. Ele foi preso temporariamente, em Cotia, na Grande São Paulo, na terça-feira (22), na Operação Ethos, resultado das investigações de um ano e meio da Polícia Civil e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado e do Ministério Público Estadual. Outros 35 advogados também foram presos sob suspeita de trabalhar como “pombo correio” de membros do PCC. Outros cinco tiveram a prisão temporária decretada e estão foragidos.

Santo foi cooptado pela facção criminosa em julho de 2014, segundo afirmou em seu depoimento, na delegacia da Polícia Civil em Presidente Venceslau, a 629 quilômetros da capital paulista, com a presença de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os irmãos e advogados Vanila Gonçalves e Davi Gonçalves o procuraram para realizar uma inspeção, em nome do Condepe, na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde se reúne a cúpula da facção criminosa PCC.

Apesar de começar a manter relações com os advogados desde julho de 2014, Santos disse ter começado a receber a mesada do PCC em janeiro de 2015, quando foi contratado para atuar como “lobista” de presidiários ligados à facção, por R$ 2 mil mensais. O vice-presidente do Condepe deveria usar sua posição para tentar convencer desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, em especial Luiz Edmundo Marrey Uinti, a interferirem em revisões criminosas de membros do PCC, que eram clientes de Vanila.

Foi ela quem teria entregue o dinheiro a Santos, que afirmou não ter aceitado o trabalho. Mesmo após a recusa, Vanila manteve o pagamento mensal de R$ 2 mil. Em fevereiro de 2015, Santos disse à advogada que não queria mais receber os R$ 2 mil pelas denúncias. Ela teria reagido mal e afirmado “agora não tem mais volta”, segundo o depoimento. O vice-presidente da entidade inicialmente não recebeu aquilo como ameaça, mas dois dias depois “um motoqueiro desconhecido parou na frente de sua casa e apresentou-lhe uma foto de seus dois filhos”. Em 20 de fevereiro de 2015, os R$ 2 mil foram depositados na conta de sua mulher.

Após alguns meses, os valores subiram para R$ 4 mil e R$ 5 mil mensais. Ele deveria cuidar da fiscalização de denúncias de possíveis maus tratos no sistema prisional, sempre usando o Condepe para dar um caráter oficial às investigações. Santos afirmou receber valores extras de até R$ 8 mil dos advogados para que ele promovesse audiências públicas no interior de são Paulo sobre questões prisionais.

O objetivo do PCC ao cooptar Santos era fazer com que ele apresentasse denúncias de maus tratos em presídios em organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos, em especial a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão autônomo ligado à Organização dos Estados Americanos, e também na Organização das Nações Unidas (ONU). Em uma das falsas denúncias, o advogado Davi Gonçalves queria que o Condepe acusasse o estado de São Paulo de servir comida misturada com cacos de vidros para os presos.

“A notícia de que servem comida com caco de vidro foi orquestrada por Davi (Gonçalves) com aquele objetivo de formar um conjunto de provas para levar o Brasil perante a uma corte internacional”, afirmou Santos em seu depoimento.

Outro pedido da advogada era que Santos deveria tentar convencer o desembargador Antonio Carlos Malheiros, também do Tribunal de Justiça de São Paulo, a encampar a discussão sobre as denúncias que eram apresentadas por ela e por Davi Gonçalves contra o sistema prisional do estado de São Paulo. O vice-presidente do Condepe afirmou que nunca chegou a falar com os desembargadores.

O Condepe é um órgão público e autônomo formado por 11 conselheiros eleitos pela comunidade – com autonomia ante os poderes para atuar com assistência social, atender a vítimas de violência praticada por agentes do estado e encaminhar denúncias para apuração. Seus integrantes têm, em tese, autorização para entrar em presídios, delegacias, unidades da Fundação Casa e outras repartições públicas.

Com informações do coletivo Ponte