Negligência

‘É descabido’ Zema comparar queda de rocha em Capitólio a queda de raio, critica geógrafo

Governador de Minas Gerais disse não acreditar em responsáveis pela tragédia. Para geógrafo da USP, acidente é “mais uma catástrofe anunciada”

Reprodução/Redes sociais
Reprodução/Redes sociais
Na queda, a rocha acabou atingindo as lanchas de turistas que estavam no local e matou 10 pessoas

São Paulo – O professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Wagner Ribeiro, chamou de “descabida” a fala do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que comparou a tragédia em Capitólio, no estado, a uma fatalidade como a queda de um raio. Em visita à região dos cânions no Lago de Furnas, nesta segunda-feira (10), o chefe do Executivo local afirmou que vai aguardar a apuração das autoridades, mas disse não acreditar em responsáveis pelo acidente

“Será feita uma apuração por parte da Polícia Civil e da Marinha e vamos aguardar. Não sou nenhum especialista nessa área, mas quero deixar claro que  o aconteceu ali é algo inédito. Quando o raio cai quem é responsável é o prefeito?”, questionou Zema. Em sua coluna no Jornal Brasil Atual, o geógrafo da USP ressaltou, no entanto, que a comparação é incabível. De acordo com ele, o acidente “é mais uma catástrofe anunciada porque poderia ser evitado não o deslocamento da rocha, mas as 10 mortes”, destacou. 

Ribeiro explica que a área já era frágil pela própria configuração da rocha que se transformou de arenito para quartzito ao longo de milhões de anos por condições de mudanças de pressão e temperatura. “Esse tipo de processo que gerou a rocha provoca mais facilidade para fissuras e uma certa fragmentação”, explicou. Apesar de ser um processo natural, era possível monitorar o deslocamento da rocha e delimitar um perímetro de projeção da queda e isolar a área. Mesmo as chuvas intensas que acometem a região não podem ser unicamente apontadas como indutoras do desabamento, observa ele.

Há responsáveis

“Então é preciso identificar claramente quem não monitorou isso ou quem deveria monitorar esse tipo de situação. E dizer que não pode entrar nessa área por esse período, porque é possível que ocorra esse deslocamento. Se não sabe exatamente quando pode ocorrer, você tem que ter o princípio da precaução. E assim evitar em um certo raio que as embarcações circulem. É disso que se trata. Por isso é preciso e é possível identificar outros pontos de ruptura em toda a faixa do lago. Ou, pelo menos na faixa na qual se pratica o turismo, para evitar esse tipo de situação”, garante o geógrafo. 

Na queda, a rocha acabou atingindo as lanchas de turistas que estavam no local. Ainda ontem, todas as 10 vítimas que morreram no desabamento foram identificadas. Elas estavam em uma mesma lancha e eram parentes ou se conheciam. 

Para Ribeiro, a fala de Zema sobre a tragédia em Capitólio antecipa uma oposição a qualquer tipo de ação indenizatória que cabe às famílias das vítimas. “E eu diria que tem que ser justamente o contrário. As famílias têm que prontamente acionar os responsáveis que não monitoraram e colocaram em risco a população. (…) Por isso a fala do governador me parece descabida. Pois não é nem uma fala de acolhimento. É assustadora”. 

Riscos em áreas turísticas

A Procuradoria do Ministério Público Federal (MPF) de Passos disse que instaurou procedimento para apurar as causas do deslocamento. De acordo com o professor da USP, a tragédia também reforça a importância de uma legislação sobre risco geológico em áreas turísticas. Levantamento da professora Joana Paula Sánchez, de Mapeamento Geológico da Universidade Federal de Goiás (UFG), revela que no Brasil apenas em áreas urbanas os municípios são obrigados a fazer inventários ou avaliações técnicas. Ou seja, escondem-se os riscos em áreas de visitação fora desse perímetro. 

“Não há dúvida de que precisamos avançar nessa perspectiva. Isso é do interesse inclusive de quem tem na atividade turística algo importante. Mas é preciso fazer já uma reunião entre agentes envolvidos, Furnas, operadores de turismo, prefeitos da região, Ministério Público, governos do estado e o federal. Eles devem propor esse acompanhamento em campo que não é caro. É possível fazer um sobrevoo e identificar as principais áreas. Depois é preciso descer com uma equipe para monitorar o quanto essa fenda se expandirá”, conclui Wagner Ribeiro.