desumano

Defensoria diz que a fome é usada em presídios do Pará como punição

Inspeções da Defensoria Pública verificaram casos de desnutrição entre os presos. As marmitas vistoriadas continham apenas 300 gramas, metade do peso recomendado. Fora os castigos chamados de “procedimentos”, que não poupavam nem preso com perna amputada

Divulgação Ascom/Seap
Divulgação Ascom/Seap
Presos durante procedimentos nos presídios do Pará

São Paulo – A fome em presídios do Pará tem sido usada como estratégia e instrumento de punição. É o que afirmou a defensora pública Anna Izabel Santos, presidente da comissão de inspeção penal no estado. “Tortura não é só bater”, disse em entrevista à jornalista Catarina Barbosa, da Alma Preta Jornalismo.

Segundo a reportagem, publicada no Uol, relatórios das inspeções da Defensoria Pública verificaram casos de desnutrição entre os presos. As marmitas oferecidas aos presos nas unidades vistoriadas pesavam cerca de 300 gramas — metade do peso ideal. Isso constrata com a declaração da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Pará, que afirmou que “todas as refeições são orientadas por nutricionista, com peso padrão de 600 gramas”.

Como se fosse pouco impor a fome aos presidiários, há ainda relatos de violações de direitos humanos, como uso excessivo do spray de pimenta. E alas, sem câmeras, onde os presos são espancados e têm a alimentação retirada como forma de punição.

“Se você está com fome e te dão comida estragada, o que você faz: você come ou passa fome?”, questionou à reportagem A.J., homem negro que cumpriu nove meses em regime fechado no Centro de Recuperação Penitenciário de Santa Isabel, região metropolitana de Belém. E uma foto tirada por familiar no dia em que ele deixou o presídio mostra os sinais de desnutrição, as costelas à mostra e o cabelo raspado.

Fome nos presídios e outros castigos

O ex-presidiário relatou também que há no cárcere existe um castigo batizado de “procedimento”. Na prática, quando o preso é informado da necessidade de seguir a determinação, tem de ficar imóvel imediatamente, em posição fetal. “A gente tem que fazer o que os caras mandam na hora em que mandam. Ficar nu de cócoras, ficar nu sentado no chão, passar o dia inteiro de cueca. Não tem exatamente um motivo, é quando os caras estão a fim”, relatou.

A prática foi confirmada pela defensora pública Anna Izabel Santos. Segundo ela, foi registrado o caso de de um senhor entre os presidiários. Mesmo com uma perna amputada, era obrigado a “ficar em procedimento”.

O presídio em que estava é o mais lotado do Pará. Vistorias do Conselho Penitenciário do Pará e da Defensoria Pública do estado em cinco unidades prisionais, feitas entre novembro de 2022 e junho de 2023 indicam diversas denúncias de violações de direitos humanos, feitas por familiares e pessoas presas.

Segundo elas, até 2019 os familiares podiam levar fardo de arroz, feijão e outros alimentos aos presos. O que mudou após o Massacre de Altamira, quando 58 pessoas foram mortas dentro do antigo Centro de Recuperação Regional – o segundo maior massacre em presídios no país, atrás apenas do Carandiru, em São Paulo, quando 111 detentos foram assassinados pela Polícia em 1992.

Inspeções apontam diversas violações aos direitos

Após o massacre, o governo federal assumiu o controle dos presídios paraenses a pedido do governador Heder Barbalho (MDB). E entre as medidas adotadas estava a proibição da entrada de alimentos por meio dos familiares, mantida até hoje, dois anos após a saída da força federal. As refeições são fornecidas exclusivamente pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do estado.

As denúncias da defensoria são negadas pela Corregedoria Geral Penitenciária, vinculada ao governo estadual. Segundo o órgão, há 33 procedimentos de denúncias em presídios instaurados no estado, em fase de instrução. E no caso de violações, são apurados de forma “enérgica”. E a Seap afirma que “todas as denúncias que contradizem os protocolos desta secretaria serão rigorosamente apuradas”.

Os relatórios das inspeções incluem ainda violações de direitos nos banho de sol e no fornecimento de materiais de higiene. Os presos devem receber uniforme, xampu, desodorante, creme de barbear e lâmina. Roupas íntimas e toalhas são fornecidas pelas famílias. Em tese a iniciativa é boa, mas na prática há muitos problemas, segundo a defensora.

Uniformes trocados a cada duas semanas: “cheiro de cachorro morto”

Isso porque, segundo vistoria no presídio de Vitória do Xingu, em abril deste ano, os uniformes dos presos são trocados a cada três dias. Já no Presídio Estadual Metropolitano de Marituba (PEM I) e na Cadeia de Jovens e Adultos (CPJA), as pessoas ficam até duas semanas com o mesmo uniforme dentro das celas. “Um cheiro insuportável de cachorro morto”, segundo a defensora.

E embora o Supremo Tribunal Federal(STF) tenha determinado banho de sol de, no mínimo, duas horas por dia, em algumas unidades esse direito é garantido apenas uma vez por semana, ou até uma vez ao mês. Mas a Seap negou à reportagem da Alma Preta a violação. E disse que o banho de sol ocorre de “forma regular em todas as unidades prisionais” e que obedece aos “padrões de segurança do manual de procedimentos da instituição”. Além disso, que os presos recebem quatro refeições: café da manhã, almoço, jantar e uma ceia.

Redação: Cida de Oliveira