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Novo edital, pós-auditoria, do transporte coletivo de São Paulo sai em março

Economia prevista em relação ao total atual de gastos com o sistema chega a 9,8%. Entre as mudanças readequação de custos, fiscalização mais efetiva e redução da taxa de retorno das concessionárias

Fernando Zamora/Futura Press/Folhapress

Tatto acredita que o novo edital vai possibilitar um sistema mais eficiente e que atenda melhor a população

São Paulo – O secretário municipal dos Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto, anunciou hoje (17) que o novo edital para concessão do sistema de transporte coletivo do município será lançado em março de 2015. A expectativa é de que os contratos sejam assinados em agosto. Na última quinta-feira (11), a consultoria Ernst&Young (E&Y) entregou o relatório final da verificação das contas do sistema de transporte apontando problemas na aferição de custos com combustíveis e mão de obra, na fiscalização de partidas, na aplicação de multas e até divergência entre o setor de contabilidade e o financeiro da São Paulo Transporte (SPTrans).

O estudo da E&Y foi proposto pela prefeitura em julho de 2013. O trabalho da consultoria começou efetivamente em dezembro do ano passado, ao custo de R$ 4 milhões.

O secretário ressaltou que os problemas apontados não indicam nenhuma ação criminosa ou ganho indevido por parte das empresas, cooperativas ou da SPTrans. Para ele, a importância da verificação é criar condições para melhorar o sistema, tornando-o mais eficiente. “Temos de nos preocupar é com relação ao edital futuro, para aprimorar esses mecanismos de definição de custos das planilhas. E a verificação serviu justamente para isso: dar mais segurança aos contratos futuros que vamos assinar”, afirmou Tatto.

Em resumo, a consultoria recomendou que a SPTrans crie mecanismos para checagens periódicas visando a eventuais necessidades de reequilíbrio dos contratos em bases mais próximas da realidade. Propõe ainda avaliações regulares do desempenho operacional, com impacto direto sobre a remuneração de empresas e cooperativas, definição de remuneração máxima por passageiros transportados, além de cobrar dados contábeis mais claros das operadoras do sistema. Os dados completos podem ser acessados no site da SPTrans.

De acordo com os dados levantados, a prefeitura poderia reduzir em 9,8% (aproximadamente R$ 600 milhões) o valor pago para as empresas e concessionárias do sistema, utilizando parâmetros de mercado para contabilizar gastos com combustível, equipamentos e mão de obra, além de garantir que todas as viagens programadas sejam realizadas. Inicialmente esse número era de 7,4%, mas foi revisado após a publicação do relatório no dia 11.

Para chegar a esse resultado, a consultoria conferiu as notas fiscais de compra dos produtos necessários à manutenção do sistema – combustível, lubrificantes, pneus –, acrescida do valor pago aos trabalhadores que operam o transporte coletivo – motoristas, cobradores, fiscais, mecânicos.

A E&Y comparou esses dados com as Ordens de Serviço Operacional (OSO), documento gerado pela SPTrans com os parâmetros de cada linha de ônibus em certo tempo, que contempla quantidade de veículos, número de partidas, horários etc. Depois aferiu o serviço efetivamente realizado e as respectivas demandas por equipamentos e mão de obra. E comparou os dados com os valores das melhores práticas de mercado do setor. A situação vigente foi tratada nos relatórios e gráficos como “Cenário 1” e a melhor prática, que deve referenciar o novo edital, “Cenário 2”.

No caso dos combustíveis, a consultoria percebeu que as empresas gastam até 9% menos – caso da área 2, região norte da cidade – do que é repassado pela prefeitura. Isso se dá por motivos como aquisição de combustível em larga escala com redução no custo final, em relação ao valor estipulado nos contratos, que considera a média de preços referenciados pela Agência Nacional do Petróleo.

combustíveis

Viagens não realizadas

Outra constatação sobre o combustível se relaciona com o não cumprimento das partidas programadas a partir da OSO. Segundo a Ernst&Young, uma em cada dez viagens determinadas não é realizada, o que faz com que os coletivos rodem mais cheios e o cidadão fique mais tempo no ponto esperando. Rodam menos ônibus, gasta-se menos combustível. Mas como a SPTrans não é efetiva na fiscalização das partidas e, portanto, da quilometragem rodada, as empresas recebem o valor cheio.

Em uma análise pontual, de um dia sem chuvas ou manifestações, a consultoria constatou que 10,5% das viagens não foram realizadas. De 1,1 milhão de viagens previstas, 166 mil não ocorreram. A consultoria estimou o ganho potencial de não realizar as viagens em cerca de R$ 23 milhões para as empresas (concessionárias) e R$ 7 milhões para as cooperativas (permissionárias), entre maio de 2012 e abril de 2013.

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Esse ganho está relacionado à incapacidade gerencial da SPTrans na aplicação de multas por descumprimentos dos contratos. No levantamento feito pela consultoria, foi encontrada uma diferença de 28.450 multas entre os registros do setor de Engenharia da SPTrans e o sistema que registra e gera as multas (Resam). Muitos desse problemas se dão pelo fato de a fiscalização ainda utilizar boletos preenchidos a mão. Em uma amostragem de 25 multas utilizada pela E&Y, todas tinham erros ou rasuras e nenhuma acabou aplicada.

No caso do descumprimento de partidas, o valor das multas poderia chegar a R$ 13,4 milhões. Mas no Resam foram encontrados somente 697 registros apontados pelos fiscais como infrações, na mesma semana de amostra. Apenas 0,4% do total. Destes, somente 535 foram aplicados, com valor final de R$ 222 mil, para empresas e cooperativas. As outras 162 multas foram consideradas improcedentes. Muitas dessas multas ainda foram parceladas, o que reduz o impacto sobre as empresas. Mas não foram aplicadas correções monetárias, reduzindo o valor real da multa.

Assim, se torna mais interessante para as empresas e cooperativas ser multado do que prestar o serviço, já que os passageiros não embarcados naquela viagem vão tomar o próximo ônibus de qualquer jeito.

As empresas, porém, argumentam que isso ocorre por problemas no trânsito e que não têm interesse em descumprir viagens.

Segundo Jilmar Tatto, o sistema de multas será todo reformulado e os fiscais passarão a utilizar aplicativos em celulares ou tablets. Além disso, as partidas descumpridas serão descontadas da remuneração e não mais multadas. “Vamos tornar o sistema eficiente. Não queremos o dinheiro, queremos que se cumpram as viagens. Se houver problemas no trajeto, vamos tornar o sistema capaz de identificá-los e só penalizar quem não estiver mesmo cumprindo o contrato”, afirmou.

Trabalhadores

A SPTrans utiliza um cálculo para determinar qual é a remuneração repassada às empresas para pagamento dos motoristas, cobradores, fiscais, mecânicos e outros profissionais do sistema de transporte. No caso dos dois primeiros, a empresa multiplica o número de coletivos determinados para cumprir a Ordem de Serviço Operacional (OSO) por 2,77 trabalhadores, número fixo definido em contrato.

Porém, o valor não condiz com a demanda financeira necessária, considerando-se os acordos coletivos de trabalho celebrados em São Paulo para a categoria. Na área 4 – Sudeste, por exemplo, o valor repassado poderia ser 14% menor, o que não condiz com a necessidade de demissões de trabalhadores, mas com um valor mais próximo da realidade do que já é praticado. A consultoria estipulou um novo fator para o cálculo, de 2,55 trabalhadores por veículo.

trabalhadores

Outra mudança prevista está na Taxa de Remuneração de Investimento (TIR) estipulada em 18% no ano de 2003, quando os atuais contratos foram assinados. A TIR é um valor estipulado para garantir que o investimento do empresário não se perca em virtude de eventual desvalorização monetária com o passar do tempo. A taxa foi pensada para garantir a empreitada ao longo de dez anos. Embora tenha sido considerada correta pela consultoria, o valor deve ser adequado ao cenário atual, que é de aproximadamente 7,2%.

A prefeitura espera ainda resolver outros problemas menores, mas que também interferem na prestação do serviço. Itens previstos em contrato não foram cumpridos, como a instalação de câmeras nos veículos. Sistema de voz para comunicação do motorista com os passageiros, rádio FM e, até mesmo, triângulo de segurança não estavam presentes em pelo menos 50% dos veículos vistoriados.

Problemas internos

A verificação encontrou ainda problemas nos sistemas contábeis internos das empresas, das cooperativas e da própria SPTrans. O que resulta em uma grande fragilidade dos procedimentos contábeis, sendo impossível definir a real situação econômica das empresas, ou seus ganhos por exemplo.

As empresas e cooperativas não apresentaram demonstrações contábeis completas, nem notas explicativas para esclarecer os documentos apresentados. Em muitos casos não foram apresentados dados comparativos com o ano anterior, nem a movimentação completa do ano vigente, assim como explicações para a oscilação dos dados de ativos, passivos e resultados. Até mesmo a conciliação – relação entre despesa ou entrada de dinheiro e recibo que justifique – foi relatada incompleta.

empresas

O novo edital deve propor uma nova forma de contratação para as cooperativas, que vão deixar de se organizar no modelo atual e deverão se tornar empresas. O secretário Tatto não teme que torne o sistema mais caro. “Se considerarmos os custos com pessoal, em relação à possibilidade de obter financiamentos que hoje não acessam, ganho de escala na compra de combustível e equipamentos, fica a mesma coisa”, avaliou Tatto.

cooperativas

Na SPTrans, foram detectadas diferenças entre os registros do setor contábil e os do setor financeiro, sobre a conta sistema. O descompasso é da ordem de R$ 5,7 milhões. A Ernst&Young recomendou que a empresa municipal defina os principais grupos de receitas e despesas, a partir de um padrão e metodologia definidos, o que não ocorre hoje. O modelo já foi alterado diversas vezes e não há documentos sobre as mudanças, o que pode implicar em falta de controle do movimento financeiro efetivo.