verde x cinza

Após despejo, ativistas vão à prefeitura exigir cumprimento da lei que cria o Parque Augusta

PM cumpriu reintegração de posse nesta manhã e área será fechada novamente. Policiais impediram a cobertura de parte da ação, ameaçando jornalistas de prisão

Um grupo de ativistas resistiu ao despejo sobre uma árvore, reivindicando cuidado com as mudas deixadas <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Ativistas aguardaram a chegada da PM tocando e cantando por toda a madrugada desta quarta-feira <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Cerca de 300 permaneceram no local durante à noite, discutindo ações, pensando em resistir ou lamentando <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Desmonte das estruturas construídas para realização de atividades foi silencioso e com muitas lágrimas <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Ativistas denunciam especulação das construtoras com o terreno, cujo valor não deve passar de R$ 75 milhões <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Ativistas levaram algumas mudas que seriam plantadas no local, para depositá-las no Vale do Anhangabaú <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Aurélio estava desolado com a força do dinheiro sobre o interesse público na capital paulista <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>A PM ingressou na área empunhando armas de balas de borracha e bombas de gás, mas só havia 15 pessoas no local <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>O Tenente da PM Sooma ameaçou prender o repórter da RBA por querer cobrir a reintegração de posse <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Ativistas de todas as idades e ideias se juntaram em torno da criação do Parque Augusta <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>Ativistas rechaçam a ideia de que é possível construir cinco torres no local e preservar a área verde <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>A marcha seguiu pacífica até a prefeitura, onde os ativistas se recusaram a ser recebidos por auxiliares de Haddad <span>(Alf Ribeiro/RBA)</span>

São Paulo – Cerca de 200 pessoas protestaram na manhã de hoje (4), em frente à sede da prefeitura, no centro de São Paulo, reivindicando que o prefeito Fernando Haddad (PT) desaproprie o terreno de 24,7 mil metros quadrados pertencente às construtoras Cyrela e Setin, na rua Augusta, região central, e cumpra a Lei 15.941, de dezembro de 2013, que cria o Parque Augusta no local. Ativistas que reativaram o parque no dia 17 de janeiro foram despejados hoje (4) pela Polícia Militar (PM), que cumpriu liminar de reintegração de posse, concedida pela Justiça paulista a pedido das construtoras.

“Queremos tornar público um espaço que hoje é privado e fechado. E não nos apropriar, como faz pensar a reintegração de posse. Lutamos por um parque para a população. Que agora vai ser fechado com aval da Justiça”, indigna-se o ativista Breno de Castro Alves. Os grupos que se mobilizam pelo Parque Augusta moveram uma ação contra as construtoras reivindicando a abertura dos portões antes de ocuparem o local. Mas o mérito desta não foi julgado. “Já a reintegração de posse saiu em dois dias”, completa Alves.

A área foi comprada pelas construtoras em 15 de dezembro de 2013. Pouco depois, os acessos do parque foram fechados. As empreiteiras pretendem construir três torres no local, com áreas residenciais e comerciais. No entanto, caso consigam autorização municipal para fazê-lo, devem ocupar no máximo 33% da área total.

No dia 23 do mesmo mês, Haddad sancionou a Lei municipal 15.941, criando o parque, mas sem definir verbas ou prazos. Em 9 de janeiro, a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente informou que não tinha condições financeiras de desapropriar o local.

No dia 13 de fevereiro, Haddad e o Ministério Público Estadual assinaram dois Termos de Ajuste de Conduta (TAC) que garantem a destinação de R$ 63 milhões recuperados de ações movidas contra o ex-prefeito Paulo Maluf para que a prefeitura inicie as negociações em torno da desapropriação ou aquisição do terreno. Porém, isso não fez com que as construtoras retirassem o pedido de reintegração de posse.

“A viabilização do parque depende de vontade política. E nesse momento, isso depende do prefeito”, ressalta Alves.

Mas, após cerca de duas em frente à prefeitura, os ativistas desistiram da negociação. Haddad não os recebeu, e eles se recusam a dialogar com os secretários. “Já conversamos com vários deles e nunca resolveu nada”, desabafa o ativista Jeferson Oliveira. O grupo desceu para o Vale do Anhangabaú, onde realizou um plantio de árvores.

Um consolo para os manifestantes é que o Ministério Público informou que vai ingressar com ação civil Pública para garantir que o acesso da população ao parque permaneça aberto, conforme determina a escritura.

Já a desapropriação está em processo de negociação amigável, quando se tenta chegar a um acordo do valor. Os ativistas, no entanto, não querem o parque a qualquer custo. “Não precisa alimentar a especulação. O valor estimado é de R$ 73 milhões e queremos que a prefeitura pague isso, no máximo”, explica a advogada Célia Marcondes, da Associação de Moradores de Cerqueira César.

Saiba mais:

Segundo Célia, a escritura do terreno determina que ele tenha passagem livre para a população. Além disso, a área de mata e as ruínas históricas são tombadas pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), desde 2004, o que impede alterações no local. O local é utilizado pela população como parque há 40 anos, mas nunca foi oficializado como tal.

Outra possibilidade defendida é que a prefeitura pague o terreno com direito de construir, de forma que as construtoras possam aumentar prédios em outros locais sem oneração, mas também não recebam em dinheiro pela desapropriação do terreno.

“O mais importante é garantir o Parque Augusta, como quer a população: sem nenhum prédio”, resumiu o ativista Jeferson Oliveira, para quem a luta não acabou e uma nova ocupação não pode ser descartada.

Ato pacífico, PM autoritária

Sem dormir, temendo a chegada da PM a partir das 5h, muitos ativistas estavam tensos e exaltados. Mas isso não impediu que tocassem músicas e debatessem o futuro do local, ainda de madrugada. Quando o sol nasceu, a Polícia Militar já estava na porta principal e nas demais saídas do parque. O oficial de Justiça entregou a ordem às 5h40, dando até as 7h para a saída do local.

Dentro da área um clima de tristeza foi tomando conta dos ativistas. Muitos choravam abraçados, outros circulavam sozinhos a esmo, olhando o entorno. Sentado em um sofá quebrado e inclinado para trás, Aurélio Prates Rodrigues lamentava a vitória do direito privado sobre o bem público. “É uma sensação de derrota, de impotência. Tem a lei, tem o dinheiro, mas não existe vontade política. O direito à cidade é batalhado em cada metro quadrado de São Paulo, mas o dinheiro ainda prevalece”, afirmou.

A maior parte dos ativistas deixou o local pouco antes das 7h, mas cinco deles subiram em uma árvore imensa no meio do terreno e queriam que fosse garantido o cuidado das mudas plantadas pelo grupo e da manutenção da passagem pelo parque para deixar o local. A PM fechou todos os acessos, retirou um grupo de jornalistas que estava na área e iniciou a negociação com o grupo, acompanhados por um advogado e os vereadores Gilberto Natalini (PV) e Toninho Vespoli (Psol).

Os ativistas decidiram, em assembleia, ir até a prefeitura cobrar o prefeito pela efetivação do parque, mas só iniciaram a caminhada até a prefeitura, após a saída dos últimos quatro ativistas que ficaram na árvore.

Nesse tempo, a polícia passou a limitar a área de acesso ao portão principal do parque, com uma fita zebrada demarcando o local. Policiais do grupamento Tático da chamada tropa do braço – especialistas em ações corpo-a-corpo e que utilizam armaduras especiais – controlavam a passagem. Os ativistas ficaram divididos em dois grupos.

Até mesmo os profissionais de imprensa foram impedidos de circular para cobrir a manifestação e a retirada do grupo que ficou na árvore. Mesmo os vereadores presentes foram retidos e só liberados após muita insistência.

O impedimento ao trabalho da imprensa chegou ao ponto de os policiais expulsarem os jornalistas e fotógrafos que haviam permanecido em frente ao parque antes de a faixa ser colocada. A reportagem da RBA foi retirada do local sob ameaça de prisão por desobediência e desacato.

Logo após o episódio, a marcha seguiu pelas ruas do centro da capital paulista, até a prefeitura, recebendo apoio – mas também reclamação – de motoristas e passantes. Não houve incidentes de violência na caminhada.