Vantagem indevida

Ação frustrada de Temer pode renovar debate sobre ‘coronelismo eletrônico’

Tema ressurge após STF negar liminar que pretendia beneficiar parlamentares donos de emissoras de rádio e TV. Desde 2015, Gilmar Mendes é relator de ação que defende inconstitucionalidade do benefício

Reprodução/Coronéis da Mídia

Atualmente 32 deputados federais e oito senadores são sócios de emissoras de rádio e TV, o que é inconstitucional

São Paulo – Uma semana depois de a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber negar o pedido de liminar do presidente Michel Temer para suspender, em todo o país, os processos que contestam as outorgas ou renovação de concessões de rádios e TV que tenham parlamentares como sócios titulares, a coordenadora-executiva do Intervozes, Veridiana Alimonti, reforçou a importância de seguir combatendo o “coronelismo eletrônico”. A afirmação foi dada na manhã de hoje (8), durante o debate “Políticos donos da mídia”, promovido pelo coletivo de comunicação Intervozes com apoio da Fundação Friedrich Ebert.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 429, pleiteada pela Advocacia-Geral da União (AGU), o governo federal sustentou que as decisões que têm impedido a outorga ou a renovação das concessões fazem interpretação equivocada da Constituição e “ofendem os preceitos fundamentais da proteção da dignidade da pessoa, da livre iniciativa, da autonomia da vontade, da liberdade de associação e da liberdade de expressão”.

Tal alegação não foi atendida pela ministra Rosa Weber. “As decisões judiciais trazidas aos autos juntamente com a exordial, a fim de demonstrar a alegada controvérsia constitucional, não evidenciam a existência de divergência interpretativa apta a ensejar uma suspensão geral dos processos”, escreveu a ministra em sua decisão.

“Longe de sugerir a existência de um embate abstrato e binário entre leituras díspares e opostas do regime de incompatibilidades parlamentares previsto na Constituição Federal, o conjunto das decisões acostadas revela a existência de nuances particulares e casos heterogêneos”, enfatizou Rosa Weber.

A frustrada tentativa do governo Temer ocorre no momento em que 32 deputados federais e oito senadores estão na mira do Ministério Público Federal (MPF) por serem sócios de emissoras de rádio e TV, conforme registros da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Este ano, apenas em São Paulo, a Justiça Federal cancelou as concessões de emissoras de rádio dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP), Beto Mansur (PRB-SP) e Antônio Bulhões (PRB).

A ação da AGU acabou por ressuscitar o debate em torno da ADPF 379, realizada pelo Intervozes e o Psol, em dezembro de 2015, e que trata justamente da inconstitucionalidade de parlamentares serem sócios de emissoras de rádio e TV. A ADPF 379 aponta nominalmente 32 deputados federais e oito senadores em exercício do mandato, entre eles figuras conhecidas da política brasileira, como Aécio Neves (PSDB-MG), Edison Lobão (PMDB-MA), Jader Barbalho (PMDB-PA), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

“Se formos contar familiares e laranjas esse número certamente será bem maior. Esses nomes representam o coronelismo eletrônico. O poder comunicacional está diretamente relacionado ao poder político regional desses grupos. É um poder que se perpetua. São nesses meios de comunicação que deveria haver o debate, mas isso não ocorre”, afirmou Veridiana.

A coordenadora do Intervozes destacou que a imprensa cumpre na democracia a função de fiscalização e controle do poder político. Para ela, tal função fica comprometida quando são os próprios políticos os beneficiados pelas outorgas de rádio e TV, “seja porque só falam bem das suas ações, seja por não falar dos problemas locais da comunidade ou por impedir a presença de outros atores políticos na arena de debate”, ponderou Veridiana.

A ADPF 379 tem como relator o ministro Gilmar Mendes. Ainda não há prazo para ser apreciada pelo plenário do STF.

Judicialização

Para a coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19, Camila Marques, a ADPF interposta pelo Intervozes e Psol ensina que é importante acionar o sistema de Justiça sobre as questões do direito à comunicação e da liberdade de expressão, já que o Legislativo e o Executivo deixam a desejar.

“Vemos que não existe esse debate no Judiciário, poucos juízes aprofundam a análise desses casos a partir de uma ótica da liberdade de expressão e de direitos humanos. A partir do momento em que provocamos o Judiciário, vemos também que a sociedade passa a se apropriar do tema. Sabemos que o Judiciário, muitas vezes, passa a analisar e se sensibilizar com o tema se a sociedade aclamar por isso”, afirmou Camila.

Opinião semelhante foi manifestada pela procuradora regional da República Eugênia Gonzaga, para quem os juízes costumam ser “tímidos” ao analisar o tema, com receio de serem acusados de impedir a liberdade de expressão e de imprensa. “Algum ganho sempre temos. Porque tem muita gente que não sabe que a Constituição proíbe políticos de serem donos de rádio e TV.”

Por outro lado, Eugênia ponderou que as mobilizações de rua são importantes como parte da estratégia, sem eliminar os caminhos da Justiça. “Vale a pena acompanhar e comprovar a omissão e a lentidão da Justiça”, disse ela, explicando que isso é importante até para depois recorrer a instâncias e órgãos internacionais.