Agro ganha tempo

Marco temporal fora da pauta do STF traz insegurança jurídica e política, afirma Cimi

Medida tomada pelo ministro Luiz Fux atende Bolsonaro e sinaliza aos povos indígenas que se mantenham ainda mais vigilantes

APIB/Reprodução
APIB/Reprodução
Demarcação de terras indígenas depende de decisão dos ministros do STF sobre o marco temporal

São Paulo – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), considera que a exclusão do julgamento do Marco Temporal da pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) traz insegurança insegurança jurídica e política. Previsto para ser julgado no próximo dia 23, foi retirado da pauta ontem (1º) pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, sem escolha de nova data. É a terceira vez que a Corte adia a decisão, frustrando as expectativas dos povos indígenas.

“O Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 é de fundamental importância para salvaguardar os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil. Frente à necessidade de confirmação pela Corte, desses direitos constitucionais e originários – já preconizados pela Constituição Federal de 1988 –, é que o julgamento era especialmente aguardado. A retirada de pauta no dia 1 de junho, sinaliza aos povos indígenas que mantenham ainda mais a sua vigilância e a sua mobilização na defesa de seus direitos. Por meio dessa nota, alertamos as autoridades que se atentem à gravidade desta situação, que coloca a existência dos indígenas e de seus territórios em sério risco”, afirma o órgão em trecho da nota oficial divulgada nesta quinta (2).

Veto

O Conselho também se posicionou de maneira contrária ao veto de Bolsonaro ao projeto que institui o “Dia dos Povos Indígenas”, em 19 de abril. “O ato do Presidente da República, de vetar a instituição do “Dia dos Povos Indígenas” – justamente um dia após a retirada de pauta do RE 1.017.365 no STF –, traduz mais explicitamente a negação e o desrespeito à existência dos povos indígenas e suas diferentes cosmovisões, bem como da diversidade étnica e cultural do Brasil.

A expectativa do órgão é que o Congresso Nacional derrube o veto, para aprovar a mudança de denominação, conferindo assim mais respeito aos povos indígenas. E também que esses revezes na luta pela efetivação dos direitos dos povos indígenas impulsionarão o ânimo das comunidades e da sociedade na mobilização pela garantia dos seus territórios originários e por uma vida mais digna, com respeito às suas diferenças culturais.

O advogado e antropólogo indígena Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), comentou que o adiamento favorece o agronegócio:

Indígenas iriam a Brasília acompanhar decisão do STF

A Apib havia convocado uma marcha até Brasília nesta data para acompanhar o julgamento do Marco Temporal pelo STF. A corte deverá decidir se é constitucional a tese defendida pelos ruralistas, segundo a qual só podem ser demarcados territórios ocupados pelos povos originários até a data da promulgação da Constituição de 1988. Defender essa tese de marco temporal é como acreditar que se esses povos estivessem livres de conflitos permanentes, que historicamente têm levado a expulsões de suas terras e como se eles já não existissem e ocupassem o Brasil antes de 1500.

Por isso a decisão de Luiz Fux atende a Jair Bolsonaro e seus aliados. No final de maio, o presidente voltou a mandar recado para o STF. “Não é ameaça, é uma realidade. Só nos restam duas alternativas: pegar a chave da Presidência, me dirigir ao presidente do Supremo e falar: ‘administra o Brasil’. Ou, a outra alternativa: não vou cumprir”, afirmou Bolsonaro durante culto evangélico, em Goiânia.

Declaração semelhante havia sido feita na abertura de uma importante feira do agronegócio, a Agrishow, em abril. “Dentro do STF, tem uma ação levada avante querendo um novo marco temporal. Se conseguir vitória nisso, me resta duas coisas. Entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa.”