Desproporcionalidades

Brasileiro gasta mais com eletricidade e telecomunicações do que com saneamento básico

Em 10 anos, despesa média nacional de água e esgoto teve ligeira queda de 1%, segundo Instituto Trata Brasil. Apesar da estabilidade, estudo também mostra que o bolso dos mais pobres é o mais afetado e Novo Marco do Saneamento deve ampliar abismo

Arquivo EBC
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"Muitas pessoas não poderão ter o serviço de água e esgoto porque não vão ter condições de pagar uma tarifa inacessível", alerta especialista sobre abertura dos serviços ao setor privado

São Paulo – Estudo do Instituto Trata Brasil mostra que os brasileiros têm menos gastos com saneamento básico do que com outros serviços, como energia e telecomunicações. Levantamento da entidade sobre os valores de água e esgoto, entre 2008 e 2018, indica que a despesa média nacional no período teve ligeira queda de 1%. Enquanto que, por outro lado, as famílias sentiram no bolso um aumento de até 4,3% na eletricidade, chegando a 7,6% nas contas dos serviços de telecomunicações. 

Segundo o presidente-executivo do instituto, Édison Carlos, em entrevista à repórter Júlia Pereira, da Rádio Brasil Atual, o resultado indica que os serviços de saneamento básico chegaram a mais pessoas. O cálculo é que, ao ano, mais 2% das famílias tiveram acesso às redes de água. E até 4% delas à coleta de esgoto, conforme aponta Carlos. “É uma boa notícia do estudo ver que o saneamento foi a infraestrutura que menos teve aumento real, embora seja uma infraestrutura fundamental”, pondera. 

O executivo também ressalta que, apesar do gasto com saneamento ter se mantido na média, as despesas ainda são aplicadas de maneira desproporcional sobre as famílias abaixo da linha da pobreza, na comparação com as contas dos grupos com maiores rendas. Os mais pobres chegam a pagar, em média, R$ 52 com serviços de água e esgoto. Enquanto que aqueles com renda superior desembolsam cerca de R$ 69, uma diferença inferior a R$ 20. 

Novo marco, aumento das tarifas

Para o Instituto Trata Brasil, a desigualdade revela a urgência de se avançar em políticas de tarifas sociais para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. “Essa proximidade das tarifas entre as pessoas mais pobres e quem pode pagar não é uma boa solução. O ideal é que a gente tenha a população que pode pagar num custo mais adequado. E assim poder privilegiar as famílias mais pobres com o mesmo serviço de qualidade, mas com tarifas mais adequadas à realidade delas”, sugere Carlos. 

A avaliação do secretário de saneamento da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU), Pedro Romildo, é que apesar dos números positivos apresentados no estudo, a ampliação dos serviços está ameaçada com a implementação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado no ano passado. Romildo observa que a maior presença do setor privado, estabelecida pela Lei 14.026/2020, deve excluir a oferta às populações de baixa renda. 

“(O novo marco) vai significar aumento de tarifa. Ele representará a exclusão de grande parte da população brasileira que hoje não tem dinheiro nem para comer e comprar um botijão de gás. Imagina pagar uma tarifa que seja reajustada em 30 a 40%, sem subsídios, e essas empresas cobrando valores exorbitantes. (…) Muitas pessoas não poderão ter o serviço de água e esgoto porque não vão ter condições de pagar uma tarifa inacessível”, adverte o secretário.

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