Não ao marco temporal

Ato em São Paulo em defesa das terras indígenas protesta contra o PL 490

Povo Guarani do Vale do Ribeira fecha a rodovia Régis Bittencourt para rechaçar o marco temporal, manobra dos ruralistas para reduzir drasticamente os limites de demarcações. Tese será debatida no STF com repercussão geral

twitter/ciminacional
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Indígenas sofrem ataques de todos os lados no governo Bolsonaro

São Paulo – Manifestantes do povo Guarani fecharam a rodovia Régis Bittencourt na altura do quilômetro 377, região do Vale do Ribeira, em São Paulo, na manhã desta terça-feira (29). Eles protestaram contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007, especialmente o chamado marco temporal, manobra utilizada pelos ruralistas para ameaçar demarcações das terras indígenas. O protesto reuniu cerca de 300 representantes de aldeias dos municípios de Miracatu, Tapiraí, Sete Barras, Pariquera-Açu, Registro, Eldorado, Iguape e Cananeia.

O ato também repudia e não reconhece a permanência do Marcelo Xavier na presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), bem como a nomeação de Joaquim Álvaro Pereira Leite como sucessor de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente. Entendem que ambos representam o setor ruralista e do agronegócio. A família do novo ministro, por exemplo, é produtora de café e pleiteia área da Terra Indígena Jaraguá.

Esta é a segunda vez que os representantes do povo Guarani fecham uma estrada importante de São Paulo em menos de uma semana. Na sexta-feira (26), o ato ocorreu na rodovia dos Bandeirantes. As manifestações estão no âmbito do acampamento Levante Pela Terra, realizado em Brasília há mais de 20 dias. Lá, cerca de 100 pessoas, entre indígenas de diversas etnias do Brasil, vêm realizando mobilizações, inclusive com um protesto de rua realizado também hoje.


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Segunda rodovia fechada em menos de uma semana (twitter/ciminacional)

Não ao marco temporal

A grande resistência dos indígenas é contra o marco temporal, previsto no PL 490. O dispositivo, defendido por ruralistas, impõe que o processo de demarcação seja restrito a terras já ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. O que, na prática, torna ainda mais difícil a demarcação. A Terra Indígena do Jaraguá, por exemplo, tem seis aldeias, mas apenas um território foi demarcado antes da data estipulada.

Os povos argumentam que o critério é injusto por não levar em conta expulsões, remoções forçadas e demais violências até a vigência da constituição. Também dizem que até 1988 só podiam entrar na Justiça por meio do Estado e, portanto, não tinham como reivindicar a posse de suas terras. A tese irá a julgamento nesta quarta-feira (30) no Supremo Tribunal Federal (STF) com repercussão geral, ou seja, o que for decidido define as demarcações de terras indígenas no país.

O PL 490, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, permite também a implantação de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos, entre outros, eliminando a consulta livre prévia e informada às comunidades afetadas. Permite retirar o usufruto exclusivo dos indígenas de qualquer área cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União e viabiliza a legalização automática de centenas de garimpos, hoje responsáveis pela disseminação da covid-19, contaminação por mercúrio, destruição de nascentes e rios inteiros e desmatamento.

‘Ataque por tudo que é lado’

Ainda nesta terça, o plenário da Câmara tinha na pauta a votação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 28/19. Ele prevê a exclusão da Terra Indígena São Marcos da área urbana da sede do Município de Pacaraima, em Roraima. A proposta, já aprovada no Senado, é do senador Mecias de Jesus (Republicanos–RR) e terá como relator na Câmara o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Casa. Tramita em regime de urgência e terá votação final na Câmara.

Um dos principais pontos de inconstitucionalidade do PDL, segundo a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), é a falta de consulta às comunidades indígenas da Terra Indígena São Marcos e Raposa Serra do Sol, também parte da área. “Infelizmente, tem ataque por tudo que é lado”, disse a deputada. “A Terra Indígena já é homologada e registrada desde 1991. Por uma questão política, o estado de Roraima criou um município depois que a Terra Indígena foi homologada e agora querem excluir. Isso vai gerar um precedente muito negativo para todas as terras indígenas do Brasil.”

Os indígenas afirmam que desde o início da gestão Bolsonaro as ameaças se intensificaram por meio de políticas contrárias à vida deles e de quilombolas, caiçaras, caboclos e agricultores familiares. Afirmam que seguem tentando a regularização fundiária dos territórios, mas só encontram negligência e morosidade. Acrescentam que o governo federal desrespeita não só a Constituição como também a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).