Massacre de Pau d´Arco

Um mês depois de execução de testemunha, entidades cobram autoridades

Fernando Araújo dos Santos havia testemunhado o assassinato de 10 trabalhadores rurais, em 2017, no interior do Pará

Lunaé Parracho/Repórter Brasil)
Lunaé Parracho/Repórter Brasil)
Sobrevivente e testemunha, Fernando era permanentemente ameaçado

São Paulo – Com um mês do assassinato de Fernando Araújo dos Santos, sobrevivente do chamado Massacre de Pau D’Arco, entidades afirmam que até agora não há “resultados concretos das investigações” e cobram as autoridades, como a Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social do Pará. Ele foi assassinado em sua própria casa, com um tiro na nuca, indicando execução, na noite de 26 de janeiro.

Em 24 de maio de 2017, uma ação policial terminou com a morte de 10 trabalhadores rurais, nove homens e uma mulher, com evidências de execução. O local foi a Fazenda Santa Lúcia, para onde Fernando voltou após um período no programa de proteção a testemunhas. E era constantemente ameaçado. Famílias seguem ocupando o local.

‘Caso o pior aconteça’

Em janeiro, a jornalista Ana Aranha, da ONG Repórter Brasil, fez o que acabou sendo a última entrevista do militante sem-terra, que testemunhou o Massacre de Pau D’arco. Concedida com dificuldade, segundo ela: só poderia ser divulgada “caso o pior aconteça”. E aconteceu, dias depois. Fernando contou ter recebido recados iguais de três pessoas: “Os policiais estão pensando em vir aqui dar um jeito de não haver mais testemunha antes do julgamento. Não há testemunha, não há julgamento”.

Confira a íntegra da nota.

Hoje, 25 de fevereiro de 2021, completam 30 dias do homicídio de Fernando Araújo dos Santos. Trabalhador rural, sem-terra, sobrevivente do Massacre de Pau D’Arco, homem gay e militante camponês, ele foi executado com um tiro na noite do dia 26 de janeiro de 2021. O local da morte? Sua residência, localizada na Fazenda Santa Lúcia. Até o momento a SEGUP/PA não apresentou resultados concretos das investigações acerca do crime, que estão a cargo da Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (DECA) de Redenção, assim como não atendeu à solicitação de reunião apresentada pelas entidades de defesa dos direitos humanos que acompanham o caso.

Os depoimentos de Fernando e de outros sobreviventes foram, desde o início, fundamentais para elucidação dos fatos ocorridos durante o Massacre de Pau D’arco, praticado por policiais civis e militares em 24 de maio de 2017. Devidamente esclarecida a atuação dos executores, as investigações com relação aos mandantes não avançaram.

Em entrevista concedida à Organização Repórter Brasil no dia 08 de janeiro de 2021, Fernando relatou que estava sendo procurado por policiais envolvidos no Massacre de Pau D’Arco para que ele e outros sobreviventes do massacre mudassem seus depoimentos perante o Poder Judiciário. Fernando afirmou: “Os policiais estão pensando em vir aqui dar um jeito de não haver mais testemunha antes do julgamento. Não há testemunha, não há julgamento”.

Importante ainda frisar que Fernando havia sido vítima de tentativa de homicídio em 22 de setembro de 2020, em circunstâncias também não esclarecidas pela Polícia Civil do Estado do Pará, pois, até onde sabemos, ninguém foi indiciado, preso ou denunciado por esse atentado.

Fernando morava em um lote e possuía um bar e mercearia na ocupação da Fazenda Santa Lúcia. A comunidade de 200 famílias de trabalhadores/as rurais sem terra reivindica a área para criação de um assentamento de reforma agrária no local. Em 2015 o INCRA instaurou processo administrativo de compra e venda da área. Após o Massacre as negociações avançaram significativamente. No início de 2019, para finalização da compra restava apenas a realização do pagamento da área pelo INCRA à família Babinski.

No entanto, uma das primeiras medidas adotadas pelo governo Bolsonaro foi a completa paralisação do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), determinando a suspensão dos processos administrativos relacionados à aquisição, arrecadação e desapropriação de áreas rurais para o assentamento de novas famílias sem-terra.

A medida atingiu diretamente as negociações referentes à Fazenda Santa Lúcia. Sob alegação de ausência de recursos para pagamento, o INCRA de Marabá manifestou seu desinteresse em adquirir a área. Com isso, os pretensos proprietários passaram a insistir fortemente no cumprimento da liminar de reintegração de posse concedida pela Vara Agrária de Redenção. Atualmente as famílias estão ameaçadas de despejo por essa liminar, que ainda não foi cumprida em razão da pandemia provocada pela COVID-19 e por decisão do Chefe do Executivo Estadual.

O processo administrativo que objetivava a compra da área pelo INCRA foi arquivado em 17 de fevereiro de 2020. Em reunião realizada pelas chefias e superintendência do INCRA de Marabá, sequer foi considerado o fato da Fazenda Santa Lúcia ter sido palco do segundo maior massacre praticado contra trabalhadores/as rurais no Brasil. Antes ou após a reunião que decidiu pelo arquivamento do processo, nenhuma audiência com as famílias foi realizada pelo Órgão, que nem mesmo noticiou o arquivamento do processo administrativo aos interessados.

Durante todo o período em que permaneceram na área, Fernando e os demais sobreviventes conviveram com a insegurança. A concessão de liberdade provisória para os policiais acusados de participar do Massacre, a ausência de investigação com relação aos mandantes, a morosidade do processo criminal para realização do júri, a ausência de reparação e apoio do Estado para sobreviventes e familiares das vítimas, as ameaças de despejos contra as famílias da ocupação, o arquivamento do processo de compra da área pelo INCRA, e por fim, a prisão questionável do advogado das famílias do Acampamento Jane Júlia, José Vargas Júnior, são fatores que contribuem para a exposição e vulnerabilidade dos sobreviventes.

Em razão da gravidade do caso, a Delegação da União Europeia no Brasil e o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACHUDH/ONU) realizaram no dia 11 de fevereiro reunião de escuta com entidades da sociedade civil, na qual foi relatada a complexidade do conflito. Após a reunião, a ONU em mais de uma ocasião se pronunciou sobre a importância de serem garantidos os direitos fundamentais de todos os sobreviventes, familiares, advogados/as e defensores/as de Direitos Humanos envolvidos, bem como sobre a necessidade de celeridade da investigação sobre o homicídio de Fernando.

Diante desse cenário, as organizações que acompanham o caso seguem aguardando a designação de data para realização de audiência com a Secretaria de Segurança Pública do Pará. Reforçamos a importância de que a investigação sobre o homicídio seja feita com isenção e dentro do prazo legal estabelecido, apresentando à sociedade as respostas necessárias: Quem matou Fernando? Quem mandou matar Fernando?

Belém, 25 de fevereiro de 2021.

  • Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará
  • Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
  • Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP/PA
  • Terra de Direitos
  • Justiça Global
  • Associação Brasileira de Juristas pela Democracia- ABJD Núcleo Pará
  • Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará