Poesia e luta

Símbolo nacional de força e coragem: 20 anos da Marcha das Margaridas

Mulheres do campo, da floresta e das águas celebram conquistas e compromisso de resistência. Lula agradeceu a ação da Marcha das Margaridas para a democracia brasileira e disse sentir saudade de quando era seu anfitrião

Pixabay | Arte RBA
Pixabay | Arte RBA

São Paulo – “Falar dos 20 anos da Marcha da Margaridas é falar da luta de todas nós, mulheres trabalhadoras rurais. A marcha simboliza muitas lutas e sentimentos. Ela não se traduz somente no ato de marchar em um único dia em Brasília em busca dos nossos direitos. É muito mais. É uma construção coletiva das mulheres do campo, das florestas e das águas, pautada no dia a dia de nossas vidas, de nossa militância, principalmente do nosso trabalho.” A fala de Rosmarí Malheiros, secretária de Meio Ambiente da Contag, resume a importância da Marcha das Margaridas, que neste 12 de agosto, comemora duas décadas de lutas e conquistas.

“No cuidado com a natureza, no respeito ao meio ambiente e no direito à produção de alimentos saudáveis. A marcha é um ato de amor e solidariedade. E por termos dores em comum, lutamos juntas e nos tornamos mais fortes a cada marcha”, ressalta Rosmarí.  Em ato comemorativo virtual que durou duas horas e meia, na tarde desta quarta-feira, desfilaram pela live mulheres militantes de todo o Brasil. Parlamentares, lideranças sindicais, trabalhadoras rurais conscientes da importância e da força dessa organização, iniciada a partir da luta da camponesa Margarida Alves. A líder sindical, assassinada num 12 de agosto de 1983, foi inspiração desse que é o maior movimento de rua da América Latina.

Luta e poesia

As falas, emocionadas, eram intercaladas por apresentações musicais. Susi Monte Serrat, cantora que ficou conhecida pela presença assídua nos 580 dias de Vigília Lula Livre, em Curitiba, cantou: “Se é pra ir pra luta eu vou/ Se é pra tá presente, eu tô/ Pois na vida da gente o que paga é o amor”.

A cantora Zélia Duncan clamou “chega de gesto que fere”. E agradeceu: “Obrigada pelo orgulho que vocês nos devolvem de sermos mulheres, de estarmos juntas, e de podermos ter coragem. Vida longa à Marcha das Margaridas”. E declamou:

Quem já sofreu lá fora vai nos guiar depois,
toda nação uma hora entende que o mundo quer saias e cor.
Ah, cuidado com esse gesto aí, vai te ferir,
não, não deixa machucar assim seu coração
Vem, lutar é natural pra nós na solidão.
Mas estamos juntas nessa revolução.
Cansamos de enterrar nossas asas, já temos todo céu pra voar.
Somos guerreiras loucas de fé!

A dançarina, compositora e cantora de ciranda brasileira Lia de Itamaracá cantou sua Ciranda para Margarida Alves, “que nunca morreu”.

marcha das margaridas
Artistas, sindicalistas rurais, lideranças políticas, camponesas celebraram a “marcha” virtual

Saudade

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou mensagem, falando da “imensa saudade” do movimento da Marcha. “Quero agradecer a vocês, pelo que simbolizam na luta das mulheres brasileiras, a coragem reivindicativa de vocês e sobretudo a coragem de colocar juntas as mulheres que trabalham na agricultura, as mulheres da floresta, e as mulheres das águas. É extremamente importante que a sociedade brasileira compreenda o significado do esforço de vocês. É importante que a sociedade compreenda a relação que nós mantivemos quando eu era presidente da República. Todo ano vocês apresentavam uma pauta, eu recebia, a gente discutia a pauta de vocês e todo ano da Marcha das Margaridas a gente ia apresentar o que tínhamos atendido”, lembrou.

“Era pra mim motivo de consagração da relação governo e povo, da relação Estado e sociedade. Uma coisa forte porque era o significado de quanto o povo pode conquistar quando está unido, convencido, politizado, consciente do que que deseja”, afirmou o ex-presidente, destacando a coragem das mulheres que fazem a marcha: “Feliz do país que tem mulheres corajosas feito vocês. Com a capacidade de reivindicação e de luta que têm vocês”.

Lula destacou o papel do movimento das Margaridas na reconstrução da democracia e na retomada dos direitos sociais. “O direito de trabalhar, de comer três vezes ao dia, o direito de estudar, de ter acesso ao lazer, de ter sua terrinha para trabalhar, ter financiamento.” O ex-presidente disse esperar que o país não continue muito tempo com “essa coisa tão ruim que está acontecendo, desde a covid-19 até esse desgoverno. O Brasil não merece isso”.

Inspiração

A ex-presidenta Dilma Rousseff também falou de saudade. “Como seria bom estarmos juntas de novo, ao vivo, como estivemos ao longo de tantos anos. A pandemia nos obriga a um contato apenas virtual. Sintam-se abraçadas por essa companheira que vocês conquistaram e que terão para a vida toda”, disse Dilma. 

“De mim, as Margaridas receberão sempre solidariedade, apoio e gratidão. Sobretudo reconhecimento do papel fundamental que ao longo desses 20 anos desempenharam na luta das mulheres brasileiras por justiça, igualdade e democracia. É um caminho longo, construído e trilhado com mobilização e luta que o governo golpista não parou e que nenhum governo fascista vai parar.”

Dilma criticou a impunidade da violência contra líderes populares. “Assim como até agora não foram identificados e presos os mandantes do assassinato de Marielle, até hoje, 37 anos depois, não foram punidos os mandantes e assassinos de Margarida Alves. Mas ela trouxe à luz milhões de Margaridas, que mesmo perseguidas, envergam mas não quebram.”

A ex-presidenta listou alguns dos avanços conquistados pelas mulheres do campo em seu governo, como a titulação da terra e a escritura das moradias em nome delas. O programa de fomento da reforma agrária para a mulher, a garantia de 30% das compras pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), as cisternas produtivas que garantiram água para beber e plantar. “Muitas dessas conquistas estão se perdendo pela ação devastadora do atual governo. A mulher brasileira precisa retomar o caminho de conquista que o golpe e a ascensão da extrema direita interromperam.”

Dilma pediu união para o combate ao fascismo. “Ao longo de 20 anos a Marcha das Margaridas foi a marcha das mulheres por direitos e igualdade. Hoje deve ser também a marcha contra o fascismo, pela vida e a justiça social.”

Revolução em marcha

Promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura (Contag), a Marcha das Margaridas tem integrantes de 27 unidades da federação e de mais de 4 mil sindicatos filiados, além da parceria de organizações feministas, entidades representativas de trabalhadores, centrais sindicais e outros movimentos sociais. No ano passado, o evento reuniu 100 mil pessoas na capital federal. Este ano, o recado foi on-line, transimitido por ex-coordenadoras da marcha, dirigentes de federações filiadas à Contag, representações da CUT, da CTB e das organizações parceiras.

“A Marcha das Margaridas faz parte da minha construção feminista”; “Nossa Marcha vai derrubar esse governo. Fora, Bolsonaro e Mourão!”; “Vida longa às mulheres que marcham por um dia melhor! Viva a Marcha das Margaridas”; “Resistimos para viver, marchamos para transformar”, eram alguns dos recados. Mensagens contra o despejo do acampamento Quilombo Grande (MG) demonstravam a atenção ao movimento #DespejoZero, que marcou o dia de trabalhadores rurais. “Se a revolução está a caminho, não sabemos. Mas está em marcha com as mulheres”, disse Mazé.

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