Ao leitor da RBA

A RBA, a liberdade de expressão e o desafio de seguir incomodando

Enquanto a imprensa comercial do Brasil faz jogo de bate-assopra com o bolsonarismo, cabe à mídia democrática seguir na resistência. A destruição da democracia e da soberania e a ascensão do fascismo são faces da mesma moeda

Dilvulgação
Dilvulgação
Chaplin fez "O Grande Ditador" em 1940. Mas a mídia mundial ainda demoraria para constatar aonde poderia chegar a barbárie do nazifascismo

São Paulo – A primeira investida do exército midiático da Lava Jato contra a Editora Atitude, que mantém a Rede Brasil Atual, deu-se há quase seis anos, em abril de 2015. Foi às vésperas de uma manifestação organizada pelo movimento sindical e por organizações populares contra um dos primeiros grandes ataques da década aos direitos dos trabalhadores: o projeto de lei que liberava geral as terceirizações.

De lá para cá muita coisa mudou. Os perdedores da eleição de 2014 se articularam para dar um golpe e derrubar uma presidenta eleita. Mais que uma presidenta, derrubaram um projeto político aprovado e acolhido pela maioria dos brasileiros. Para silenciar e envolver essa maioria, a fábrica de versões políticas, econômicas e morais já vinha trabalhando de maneira orquestrada desde a década anterior.

Imprensa comercial, setores do Judiciário, agremiações partidárias sucessivamente derrotadas na urnas, setores econômicos ligados ao meio financeiro, agronegócio, mineração, entidades empresariais. Essas e outras cabeças e bolsos da elite econômica e social, que reivindica há mais de 500 anos o controle do mundo e do curso da história, construíram uma aliança que deu no que deu.

Em plena temporada de ascensão fascista, é visível que os generais da imprensa corporativa e seus soldados nas redações não hesitam em escolher um lado no front quando seus interesses econômicos e políticos falam mais alto. Ainda que dia sim, outro também tenham de passar vergonha

Assiste-se desde então à degeneração da cadeia nacional do petróleo e do gás, da construção civil, da capacidade do Estado brasileiro de progredir como nação soberana, dos direitos sociais. Vive-se o ataque diário ao direito ao trabalho decente como protagonista de um processo de desenvolvimento com distribuição de renda, da agricultura familiar e da agroecologia, do direito dos cidadãos de se organizar em sindicatos e em movimentos que os representem para fazer frente a essa batalha de classes.

A eleição de Jair Bolsonaro no ano passado não era o sonho dessa horda. Talvez nem mesmo o clã do ex-capitão acreditasse em vencer a eleição. Mas antes ele do que permitir que a maioria dos brasileiros mais uma vez devolvesse ao rumo o Brasil golpeado em 2016. Antes entregar o governo a essa milícia alucinada do que permitir que o ex-presidente Lula disputasse a eleição, e emplacar-lhes a quinta derrota seguida. Se a democracia atrapalha os planos, que se tolerem o autoritarismo e o fascismo.

E no que consiste a relação de bate-assopra da mídia corporativa com a atual realidade? Enquanto se escandaliza com um  alto funcionário que carimba o nazismo na testa do governo, esconde-se o que está verdadeiramente por trás das filas do INSS, antes extintas. Enquanto sofre com os chiliques e agressões de Bolsonaro à imprensa, minimiza o tamanho do escândalo que pode estar por trás das relações promíscuas do Secretário de Comunicação da Presidência da República com gente graúda da mídia – que fabrica um suporte popular ao bolsonarismo.

Por que o Jornal Nacional tenta confinar ao anonimato um protagonista político como o ex-presidente Lula? Por que minimiza ou esconde as denúncias escandalosas de corrupção que envolvem o homem-forte da comunicação do governo com emissoras supostamente concorrentes – como SBT, Rede TV!, Band e a Record do bispo Edir Macedo?

Por que os jornais todos tentam diariamente transformar os péssimos indicadores da fantasiosa recuperação da economia em “esperança”? Por que tratam com naturalidade e como “empreendedorismo” o atraso civilizatório no mundo do trabalho que encaminha o país às condições de um século atrás? Por que os furos, as denúncias e análises do noticiário alternativo não repercutem nos grandes jornais?

É porque trabalhador com emprego decente e com direitos não aceita qualquer serviço indigno para viver, nem recorre a falsos milagres literalmente vendidos em determinados templos. Porque cidadão com acesso a diferentes fontes de informação e cultura não se deixa manipular.

É também porque Bolsonaro e alguns de seus ministros podem ostentar alguns sintomas de psicopatia, mas a equipe do ministro Paulo Guedes e suas conexões com o Congresso Nacional fazem o serviço sujo dos sonhos da elite pelas beiradas. Porque enquanto some do noticiário o sofrimento das populações de Mariana e Brumadinho, a Vale despeja milhões em publicidade para dar um refresco na própria imagem e ao mesmo tempo financiar essa “grande” mídia.

Ou o leitor aqui já viu em algum “grande” veículo da mídia abordagens críticas à “reforma” da Previdência? Já encontrou algum balanço real do quanto a reforma trabalhista e o liberou-geral da terceirização conseguiram fazer as economias e os empregos voltarem a crescer? Já leu nos jornalões algo sobre o papel dos sindicatos fortes na construção de acordos coletivos que levaram a 15 anos seguidos de aumentos reais e melhorias sociais sem nenhum prejuízo ao nível do emprego ou ao crescimento da economia – ao contrário, impulsionando-os?

Recordar

Na ocasião em que a operação da Lava Jato, como sempre combinada de véspera com sua força auxiliar nas redações dos grande veículos, determinou a prisão do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, estávamos em abril de 2015. A Editora Atitude, responsável então pela publicação da Revista do Brasil e pelo portal RBA, era mencionada lateralmente em uma ação destinada a criminalizar a existência dessa mídia independente. (Clique aqui para lembrar e entender o episódio, e o que respondemos)

Um projeto de comunicação criado por iniciativa de sindicatos, jornalistas e intelectuais, voltado para o mundo do trabalho, a economia, a política, a democratização da cultura e ao acesso à informação. E que está no mesmo endereço à Rua São Bento, no centro de São Paulo, desde sempre.

As mudanças todas ocorridas no país nos últimos seis anos não se resumem ao avanço selvagem do neoliberalismo sobre a democracia e a soberania. Afinal, a própria Lava Jato mudou muito – como alertavam lá atrás juristas respeitados que chegaram a nutrir alguma fé na operação. Perdeu prestígio e credibilidade, pondo em risco seu próprio objetivo declarado, de combater corrupção.

Toda essa manipulação contaminadora acabou comprovada pelo The Intercept Brasil, no ano passado, a partir das revelações de conversas de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros integrantes da operação, de instâncias superiores da Justiça, algumas vezes associados a um veículo parceiro da mídia, inclusive parceiro da Lava Jato em seu intuito de tirar Lula da eleição. A Vaza Jato foi uma tapa na cara do cinismo de alguns juízes, procuradores e jornalistas com cabeça de patrão.

Mas algumas coisas não mudaram. O conteúdo das “denúncias” de abril de 2015 que implicaram a Editora Atitude em um processo de alguma convicção e nenhuma prova é o mesmo de quase seis anos atrás. No jargão da imprensa, foi “requentado”. E as provas e evidências apresentadas pela editora ao longo desses anos também não mudaram.

Como dirá abaixo a defesa do diretor da Atitude, Paulo Salvador, os documentos que comprovam a lisura de suas atividades e a legitimidade de seus objetivos não foram levados em conta pelos que ontem determinaram a denúncia do Ministério Público Federal. O MPF optou desprezar os fatos e levar adiante denúncias requentadas e já superadas por farta documentação.

A imprensa parceira, por sua vez, e como sempre, comprou e vendeu o requentado. A notícia difundida por site cúmplice dos abusos da operação – e repercutida por dezenas de outros – expõe inclusive dados pessoais do diretor, cidadão com deveres e direitos em dia. Faz parte do antigo jogo, e da antiga batalha de classes mencionada alguns parágrafos acima.

O Brasil dos últimos seis anos regrediu para um momento em que ficou escancarado o caráter nazifascista do governo que ajudou a eleger para dele fazer parte. É o preço bem pago pelo tsunami neoliberal que tenta assegurar seus lucros e fortunas enquanto o planeta vai sendo varrido.

Mas nem tudo nesses seis anos é negativo. Se a imprensa comercial corporativa não consegue disfarçar a que veio e a quem serve, os veículos independentes e progressistas que travam a batalha da informação também cresceram. Não a ponto de vencer a guerra, mas que perturbam o outro lado, perturbam.

A RBA, por exemplo, viu seu alcance crescer 150% de abril de 2015 para cá. Se naquela ocasião celebrava ser vista por milhares, hoje tem a responsabilidade e o orgulho de dialogar com milhões.

Em plena temporada de ascensão fascista, é visível que os generais da imprensa corporativa e seus soldados nas redações não hesitam em escolher um lado no front quando seus interesses econômicos e políticos falam mais alto. Ainda que dia sim, outro também tenham de passar vergonha.

E existe do outro lado da batalha uma tropa de respeito. Que enfrenta com limitações e apertos os ataques nossos de cada dia. Que pratica com coragem e profissionalismo a resistência democrática. E sem medo de dizer de que lado está.


 

Nota da defesa de Paulo Salvador

A defesa de Paulo Roberto Salvador reitera que a denúncia do Ministério Público Federal sobre a Editora Gráfica Atitude Ltda. não considerou documentos determinantes entregues à Polícia Federal que comprovam a efetiva prestação de serviços nos contratos questionados.
Em 10 anos, a Editora produziu 124 edições da Revista do Brasil, totalizando mais de 40 milhões de exemplares circulados entre os trabalhadores, com comprovação de auditoria de tiragem e notas fiscais de remessa de correio.
O Ministério Público Federal confunde aluguel de linha telefônica com endereço da Editora, que nunca saiu do mesmo local na Rua São Bento, e ignora a brochura apresentada em Juízo com compilação do conteúdo jornalístico produzido em razão das contratações.
Todas as receitas obtidas pela Editora foram revertidas em produção jornalística e estão à disposição da Justiça para que os fatos sejam esclarecidos.